O Globo, n. 32687, 03/02/2023. Política, p. 4

Plano frustrado

Patrik Camporez
Mariana Muniz
Aguirre Talento
Daniel Gullino
Jussara Soares
Manoel Ventura
Alfredo Mergulhão


O senador Marcos do Val (Podemos-ES) acusou Jair Bolsonaro de ter participado de um plano golpista para incriminar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e anular o resultado das eleições. O parlamentar afirma que, numa reunião com o ex-presidente e o ex-deputado Daniel Silveira, foi incumbido de marcar um encontro com o magistrado e gravar a conversa na tentativa de induzi-lo a admitir que tenha cometido irregularidades nos processos que comanda. Do Val, que tem mensagens enviadas por Silveira sobre o episódio, conta que recusou a missão e relatou o plano ao próprio Moraes.

Essa é a primeira vez que uma autoridade apresenta possíveis elementos de prova sobre a participação direta de Bolsonaro em uma trama para invalidar a eleição. O caso foi revelado ontem pela revista Veja. De madrugada, o senador adiantou em uma live que a revista publicaria a denúncia. Durante a transmissão, ele chegou a anunciar que renunciaria ao mandato, mas voltou atrás.

Após a eclosão do caso, a Polícia Federal solicitou que o parlamentar prestasse depoimento, o que foi determinado pelo STF. Aos agentes, Do Val atribuiu a Silveira a iniciativa e ressaltou o aval de Bolsonaro ao plano.

— A única coisa que o presidente diz… Na hora em que eu disse o seguinte: “Olha, não vou dar a resposta agora, vou pensar sobre isso”. Porque eu já estava pensando que precisava reportar isso ao ministro Alexandre (de Moraes). E disse: “Me dá uns dois dias para eu dar a resposta”. Aí ele (Bolsonaro) falou: “Tá bom, nós aguardamos” — afirmou o senador à PF.

Encontro secreto

Do Val conta que foi procurado por Daniel Silveira e, logo depois, convidado pelo próprio Bolsonaro para uma reunião secreta no fim do ano passado. Eles se encontraram no dia 9 de dezembro, três dias antes da diplomação de Luiz Inácio Lula da Silva, conforme o relato. No primeiro momento, o parlamentar disse que a audiência se deu no Palácio Alvorada. Mais tarde, ele mudou a versão duas vezes e afirmou não se lembrar se havia ocorrido no Palácio Jaburu, residência do vice presidente, ou na Granja do Torto, outro endereço da Presidência. Segundo Do Val, participaram da conversa somente ele, Bolsonaro e Silveira. Na ocasião, revela, o então deputado sugeriu que ele se aproveitasse da relação de dez anos que mantém com Alexandre de Moraes para agendar a reunião e grampear o ministro, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

— Eles colocariam um equipamento de gravação num veículo próximo ao STF, captando o áudio. Nessa reunião com o ministro Alexandre, eu o conduziria a falar que ele ultrapassou a linha da Constituição em alguns processos —afirmou o senador, em entrevista coletiva no Senado.

De acordo com Do Val, o objetivo era usar a gravação como pretexto para que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Agência Nacional de Inteligência (Abin), órgãos ligados à Presidência, prendessem o magistrado. O senador não detalha como, após a eventual detenção de Moraes, o grupo poria em prática a segunda parte do projeto: a anulação das eleições.

A reunião foi tratada com sigilo absoluto. Por orientação de Silveira, Do Val sequer poderia entrar no local do encontro com Bolsonaro com seu carro e, por isso, foi transportado para dentro do Palácio num veículo da Presidência. Assim, ele não precisou se identificar na portaria. A conversa durou 40 minutos, segundo o relato do senador:

— Ele (Silveira) disse: “Vamos nos encontrar no meio do caminho, que é importante você não entrar no seu carro oficial”.

Nos dias subsequentes, Daniel Silveira enviou diversas mensagem ao senador. Numa delas, lhe garantiu que não haveria riscos. Justificava que somente cinco pessoas — mais duas, além do trio — participariam da execução do plano golpista e que nem o primogênito do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), seria informado. Na tentativa de encorajar Do Val, Silveira escreveu: “Se aceitar a missão, parafraseando o 01 (Bolsonaro), salvamos o Brasil e você será herói nacional”.

Três dias depois da reunião, em 12 de dezembro, mesma data em que o TSE diplomou Lula, Marcos do Val enviou uma mensagem a Alexandre de Moraes pedindo uma conversa presencial. O encontro ocorreu após dois dias. Em poucos minutos, o senador contou detalhes sobre a “missão” que recebeu do presidente. “Não acredito”, reagiu Moraes, segundo a Veja. No mesmo dia, à noite, o senador comunicou a Silveira que declinaria da operação. O ex-deputado respondeu de forma sucinta: “Entendo, obrigado”.

Durante a live da madrugada, Do Val foi incisivo ao afirmar que foi coagido por Bolsonaro a participar de uma investida contra a democracia:

— Vai sair na Veja a tentativa de Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de Estado junto com ele.

Flávio: reunião não é crime

Ontem, entretanto, Do Val tentou atenuar a participação do ex-presidente. O senador, em outra mudança de versão, disse que não poderia afirmar que a Abin e o GSI seriam incumbidos de prender Moraes e que tal desfecho foi uma interpretação dele, Do Val, ao que ouviu de Silveira.

A defesa do ex-parlamentar não comentou as acusações de Do Val. Bolsonaro, procurado por meio dos seus assessores, não se pronunciou. Segundo o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, o ex-presidente narrou a aliados que a conversa com o senador foi rápida e que permaneceu calado. O senador Flávio Bolsonaro afirmou ontem na tribuna do Senado que o encontro não configura crime:

— Peço que todos os esclarecimentos sejam feitos, não digo nem abertura de inquérito, porque a situação narrada não configura nenhuma espécie de crime, mas que todos os esclarecimentos sejam feitos para que não fiquem narrativas em cima de narrativas.