Título: Excesso de burocracia
Autor: Renan Calheiros*
Fonte: Jornal do Brasil, 18/09/2005, Outras Opiniões, p. A11

Nunca se falou tanto em corrupção no Brasil. As CPIs, a Polícia Federal, o Ministério Público e a imprensa se debruçam sobre um mar de denúncias e a sociedade espera, indignada, que o mal seja cortado pela raiz. Mas não se trata só de punir os culpados nem de rever nosso sistema político, moralizando a legislação eleitoral e acabando com o caixa dois. A corrupção é uma árvore de muitas raízes. E uma dessas raízes é o excesso de burocracia do Estado, que aprisiona o cidadão e retarda o crescimento do país. O caminho da ética e da responsabilidade, que todos sonhamos para o Brasil, passa, necessariamente, pela desburocratização.

É essa certeza que nos levou a criar, na última semana, o Grupo de Trabalho da Desburocratização no Senado Federal. Um desafio e tanto. O grupo tem trinta dias para apontar medidas concretas capazes de tirar do Brasil um de seus piores títulos: segundo estudos do Banco Mundial, nosso país é um dos mais burocratizados do mundo. Basta dizer que 5% de nosso PIB são desperdiçados, a cada ano, em razão de entraves burocráticos e que o simples ato de abrir uma empresa no Brasil consome por volta de 152 dias - três vezes a média mundial. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta um prejuízo de 16% nas nossas vendas externas por causa da burocracia, que também consome até 6% do lucro de nossas empresas. Dados da Câmara Brasileira de Construção, só para dar mais um exemplo, também impressionam: os custos da construção civil são elevados entre 280% e 425% em função da burocracia.

No caso das micro e pequenas empresas, as conseqüências são cruéis. Somada ao peso da carga tributária, a burocracia é responsável pelo fechamento prematuro de 60% desses empreendimentos, que nascem e morrem em menos de três anos, sem fôlego para competir com as grandes empresas ou com o mercado informal. Um mercado que não pára de crescer. Já são nada mais nada menos que 12 milhões de empresas informais no país. Empresas que não pagam impostos nem direitos trabalhistas, fugindo da carga tributária abusiva e da burocracia, que desestimulam investimentos e inibem nosso crescimento econômico.

Para desatar esse nó, é preciso simplificar leis e regulamentos relativos à abertura e fechamento de empresas, implantar um cadastro positivo e um cadastro único para pessoas jurídicas, além de estimular a formalização de empresas. Também se faz urgente a redução da burocracia na área do comércio exterior e a consolidação e expurgo de leis sobre procedimentos burocráticos, assim como a desburocratização dos serviços públicos prestados ao cidadão, inclusive em nível jurisdicional. Temos que apostar na simplificação tributária, administrativa e trabalhista, principalmente no caso dos pequenos negócios. O tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas é mais do que justo. Elas representam 98% de nossas empresas, geram 23% do PIB nacional e 60% dos empregos formais no Brasil. Têm um papel decisivo na interiorização do desenvolvimento, na melhor distribuição de renda e na inclusão social. Uma força inquestionável.

Toda essa pauta está a cargo do grupo recém-criado no Senado Federal, a quem caberá, ainda, a responsabilidade de elaborar um Estatuto da Desburocratização. Há que se destacar a promoção de audiências públicas com especialistas, representantes do governo e da sociedade civil, o que certamente irá facilitar e tornar mais democrático o trabalho do grupo presidido pelo senador Fernando Bezerra.

Mas, independente do tamanho do desafio com o qual o novo grupo se depara, o mais importante é que haja vontade política para que possamos migrar para um modelo de desburocratização das relações do Estado com o cidadão e com as empresas. A atual crise política não deve - e não pode - paralisar o país. No que depender do Senado, estaremos atentos a uma agenda positiva, com foco no desenvolvimento e na justiça social. E a desburocratização é um dos pontos fortes dessa agenda e um dos caminhos para que possamos resgatar a credibilidade de nossas instituições, acabar com práticas cartoriais que abrem brechas para a corrupção e apostar num Estado ético e responsável.

*Renan Calheiros é senador pelo PMDB de Alagoas