O Globo, n. 32686, 02/02/2023. Política, p. 6

O Centrão faz história

Manoel Ventura
Bruno Góes


Em uma vitória acachapante, o deputado Arthur Lira (PPAL) foi reeleito ontem para a presidência da Câmara com 464 votos, um recorde desde a redemocratização. Após formar um arco de alianças que vai desde o PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, Lira, um dos principais líderes do Centrão, deve usar o capital político expresso com esse placar para negociar as pautas de interesse do Palácio do Planalto.

Conhecido por sua capacidade de articulação, o deputado do PP angariou o apoio de 20 legendas, que abrigam 496 dos 513 deputados. Ele teve como adversários na disputa os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Marcel Van Hattem (Novo-RS), que tiveram, respectivamente, 21 e 19 votos.

Até hoje, os deputados eleitos com a maior votação para a presidência da Câmara foram Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), em 1991, e João Paulo Cunha (PT-SP), em 2003. Cada um obteve 434 votos dos 513 possíveis em sua respectiva eleição.

Um dos principais pilares do governo Bolsonaro e apoiador da reeleição do ex-presidente, Lira fez acenos a Lula logo após a vitória do petista, no dia 30 de outubro. Minutos após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmar o resultado da eleição presidencial, o deputado parabenizou Lula, dando o primeiro passo à formação da aliança que hoje lhe garante a permanência no comando da Câmara por mais dois anos. Foi o primeiro chefe de Poder a reconhecer o resultado das urnas.

Irritação com Lula

Desde que Lula assumiu a presidência, porém, pelo menos dois episódios o deixaram irritado. O primeiro momento de tensão ocorreu quando o orçamento secreto foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Líderes do Centrão não têm dúvidas de que o novo governo trabalhou por isso e foi responsável, em parte, pela decisão da Corte. O segundo ocorreu em meio às negociações para formação do governo, quando o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), seu aliado, foi preterido ao cargo de ministro da Integração Nacional.

Ambos os acontecimentos guardam relação com a disposição de parte do PT, nos bastidores, de diminuir o poder de Lira.

O presidente da Câmara começou a agregar apoios em novembro do ano passado, logo após as eleições presidenciais. Além do seu partido, o PP, e do PL de Bolsonaro, conseguiu antecipar os endossos do União Brasil —que passa a ter a terceira maior bancada da Casa—, Republicanos, Podemos e PSC.

O apoio formal do PT e do PSB (do vice-presidente Geraldo Alckmin) veio durante as negociações da “PEC da Transição”, proposta de Emenda à Constituição, aprovada, que ampliou em R$ 168 bilhões o Orçamento de 2022. A PEC era prioridade para Lula antes mesmo de assumir o mandato.

Mesmo com o favoritismo, Lira fez nos últimos dias uma maratona de reuniões com diferentes bancadas, abarcando diversos campos políticos, em busca de votos. Costurou apoio com espaços nas comissões temáticas e na Mesa Diretora da Câmara, e distribuindo benesses aos deputados.

Foi selado, por exemplo, um acordo de alternância na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa, por onde passam quase todas as propostas legislativas, entre o PT e o PL. Como o PT presidirá a CCJ neste ano, o PL deve indicar o relator do Orçamento de 2024, de olho no envio de recursos para redutos de aliados em ano de eleições municipais.

Em campanha, ele dobrou o valor do auxílio moradia dos parlamentares, elevou o valor do reembolso com combustível, liberou mais cargos para os partidos nomearem assessores e aumentou o número de viagens a bases eleitorais permitidas pela cota parlamentar.

Lira reajustou em 6% a verba de R$ 111.675 mensais a que cada deputado tem direito para gastos no gabinete, incluindo a contratação de assessores. Os deputados terão direito a R$ 8.401 para custear moradia em Brasília e a R$ 9.392 para gastos com combustíveis (antes, eram R$ 4.253 e R$ 6 mil, respectivamente).

Nascido em Maceió, Lira tem 53 anos, é empresário, advogado e agropecuarista e começa agora seu quarto mandato de deputado federal. Ele é um dos principais líderes do Centrão, grupo de partidos conhecido por historicamente apoiar diferentes governos. Como presidente da Câmara, foi um dos articuladores e defensores das emendas de relator, que ficaram conhecidas como orçamento secreto pela falta de transparência e disparidade na distribuição entre os parlamentares.

No comando da Casa, Lira também acelerou a votação da nova lei de improbidade administrativa. O texto, que foi aprovado e entrou em vigor, modificou o entendimento sobre crimes contra a administração pública. Enquanto alguns defendem que as mudanças são positivas para coibir abusos na aplicação da lei, outros argumentam que as novas regras abrem espaço para a impunidade.

Após a reeleição de Lira, os primeiros testes na relação com o novo governo serão as votações de Medidas Provisórias e o andamento da reforma tributária. Entre os aliados do presidente da Câmara, há a certeza de que não há clima para votação de pautas de costumes, dado o perfil de centro-direita dos parlamentares.