O Estado de S. Paulo, n. 46726, 22/09/2021. Política, p. A10

Ministro ofende senadora e se torna investigado na CPI

Daniel Weterman
Cássia Miranda


Na reta final da CPI da Covid, os senadores incluíram ontem o ministro da Controladoria-geral da União (CGU), Wagner Rosário, na lista de investigados da comissão. A decisão foi anunciada pelo presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), depois que o ministro, durante depoimento, “desafiou” os parlamentares a provar que ele foi omisso na investigação do contrato da vacina indiana Covaxin. Rosário também ofendeu a senadora Simone Tebet (MDBMS), e a audiência terminou em bate-boca.

O chefe da CGU foi convocado pela CPI da Covid para explicar a atuação do órgão diante das denúncias de irregularidades envolvendo a compra da vacina Covaxin. O ministro foi acusado de prevaricação pelos senadores, mas negou que tenha se omitido. Afirmou, ainda, que a Controladoria-geral não identificou nenhum crime por parte de servidores federais durante a negociação.

O depoimento de Rosário foi marcado por embates entre o ministro e os senadores da comissão, principalmente o relator, Renan Calheiros (MDB-AL). Ao longo da sessão, o “tom” de Rosário incomodou Aziz. Em uma fala captada pelo microfone em sua mesa, o presidente da CPI chamou o chefe da CGU de “petulante do c...”.

O clima ficou mais tenso após Simone Tebet mostrar um documento de técnicos da CGU que apontou inconsistências na aquisição da Covaxin. Segundo a parlamentar, Rosário não deu respaldo aos integrantes do órgão e “blindou” o presidente Jair Bolsonaro.

“Com todo respeito à senhora, eu recomendo que a senhora lesse (sic) tudo de novo porque a senhora falou uma série de inverdades aqui”, afirmou o ministro após a fala da senadora. A declaração provocou reação imediata de parlamentares, que cobraram respeito do ministro.

Simone disse então que Rosário estava se comportando como um “menino mimado”. “Não me chama de menino mimado, eu não lhe agredi. A senhora está totalmente descontrolada. Me atacando, me atacando”, respondeu o ministro. Parlamentares presentes acusaram o chefe de CGU de ser “machista” e alguns deles saíram de suas mesas e foram em direção ao ministro. Houve tumulto.

Mais tarde, Rosário pediu desculpas a Simone e também se manifestou no Twitter. “Apesar de tê-lo feito pessoalmente, reitero meus pedidos de desculpas caso minhas palavras tenham lhe ofendido. Às vezes, no calor do embate, somos agressivos inconscientemente. Estendo minhas desculpas a todas mulheres que tenham se sentido ofendidas”, escreveu ele na rede social.

Questionada depois, a senadora disse que o assunto “estava encerrado” e afirmou que a comissão precisava se concentrar nas investigações.

Precisa. Aziz suspendeu o depoimento e encerrou a reunião em seguida, solicitando a inclusão de Rosário na lista oficial de investigados. Ele havia comparecido na condição de testemunha. O presidente da CPI manteve a avaliação de que houve prevaricação da CGU após o órgão ter acesso a informações que apontavam lobby a favor da Precisa Medicamentos, empresa que intermediou a negociação de imunizantes com o governo federal.

O ministro da CGU afirmou que o órgão não barrou a aquisição da Covaxin porque verificou que o preço das doses no site da fabricante indiana Bharat Biotech era coerente com o valor negociado com o Ministério da Saúde. “Não é para comprar água, não, é para comprar a vacina”, disse Aziz, ao questionar a comparação de preços citada pelo ministro da CGU. “O parâmetro que a CGU utilizou foi o site da empresa. Isso é uma coisa ridícula”, declarou Renan, ao criticar a atuação do órgão para verificar os aspectos da contratação.

Rosário disse, ainda, que só soube das suspeitas de irregularidades na compra do imunizante indiano em junho, pela imprensa. A data citada pelo ministro foi questionada por Aziz. “Só (soube das suspeitas de irregularidades) em junho de 2021?”, questionou o senador. “Sim. Se o senhor sabia antes, ótimo, mas eu... Os casos apareceram na imprensa no fim de junho”, respondeu o ministro.

O contrato do Ministério da Saúde com a Precisa para a compra da Covaxin é um dos principais focos da CPI. O processo de aquisição de 20 milhões de doses por R$ 1,6 bilhão foi cancelado após o avanço das investigações. O ministro negou que a CGU tenha atuado para “enquadrar” o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ou o ex-secretário executivo da pasta, Elcio Franco. Os dois são alvo da CPI, que aponta conduta irregular do Ministério da Saúde na negociação com a Precisa.

Rosário alegou que só haveria possibilidade de superfaturamento no contrato de compra da Covaxin caso o governo tivesse, efetivamente, concluído o negócio. “Mostre um documento que mostre que a CGU disse que o contrato era regular, tudo bem, a gente assume”, disse o ministro para Renan.

Na semana passada, Aziz havia acusado Rosário de prevaricação. Segundo o senador, a CGU teve acesso a mensagens trocadas entre o lobista Marconny Faria e representantes da Precisa em junho do ano passado. Ontem, o ministro respondeu: “Não existe prevaricação nem minha nem de nenhum servidor da CGU”.

De acordo com o ministro, a Justiça só autorizou o compartilhamento de informações da investigação com a CGU no dia 8 de julho deste ano, o que teria dado início às providências administrativas. O governo anunciou o cancelamento do contrato da Covaxin no dia 29 de julho, após análise da CGU.

Sigilo. Outro aspecto questionado foi o sigilo imposto pelo Ministério da Saúde na compra da Covaxin. Rosário negou que tenha sido decretado um sigilo de cem anos. “Quem decretou sigilo de cem anos? Você está repetindo coisas que não têm relação com a verdade”, disse o ministro a Renan. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que presidia a reunião no momento, repreendeu Rosário: “Baixe a bola”.