O Estado de S. Paulo, n. 46726, 22/09/2021. Política, p. A8

Análise: Na Amazônia real, o desmatamento e o fogo avançam
André Borges


O Brasil verde descrito pelo presidente Jair Bolsonaro, durante seu discurso na abertura da 76ª Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), é uma ficção sem nenhum respaldo na realidade que marca a trágica gestão ambiental de seu governo.

Nos poucos mais de 12 minutos em que fez uso da palavra, Bolsonaro disse ao mundo que a Amazônia registrou uma redução de 32% em seus níveis de desmatamento no mês de agosto, quando comparado ao mesmo mês do ano passado. Resta saber sobre qual Amazônia Bolsonaro estava falando. A maior floresta tropical do mundo perdeu 1.606 km² de vegetação no mês passado e superou em 7% os índices alarmantes já registrados no mesmo período de 2020. Agosto foi o quinto mês deste ano em que o desmatamento atingiu o pior cenário em uma década, como apontam dos dados de satélite monitorados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Se na Amazônia de Bolsonaro “84% da floresta está intacta, abrigando a maior biodiversidade do planeta”, na Amazônia real o fogo e a derrubada das árvores nobres avançam de forma descontrolada sobre as terras indígenas e unidades de conservação. Os meses de março, abril, maio e julho também tiveram a maior área devastada em dez anos. No acumulado de janeiro a agosto, a área devastada em 2021 é 48% maior do que no mesmo período no ano passado.

Com a fala de Bolsonaro, o Brasil, que sempre ocupou posição de protagonismo na agenda ambiental, dada a relevância da Amazônia para que o mundo reduza os impactos do aquecimento, reafirma sua posição negacionista na ONU. Da mesma forma que rejeita a vacina, mas defende o tratamento precoce contra a covid-19, omitindo a tragédia da gestão federal durante a pandemia, Bolsonaro tenta escamotear o desastre de sua gestão ambiental, a qual nunca enxergou o meio ambiente como um ativo que deve ser explorado de forma consciente e em parceria com o desenvolvimento, mas sim como um obstáculo a ser vencido.