O Estado de S. Paulo, n. 46726, 22/09/2021. Política, p. A8

Análise: Presidente distorce a lógica ao transferir culpa da inflação

Adriana Fernandes


O presidente Jair Bolsonaro usou o seu discurso na abertura da Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas como palanque eleitoral para se livrar da pressão que o seu governo sofre com a alta da inflação.

A desculpa da vez foi que as medidas de isolamento e lockdown deixaram um legado de inflação, numa nova tentativa de culpar governadores e prefeitos pela elevação atual dos preços no Brasil e que pode lhe tirar capital político nas eleições do ano que vem, quando buscará a reeleição.

O presidente mistura alhos com bugalhos invertendo e distorcendo a lógica dos acontecimentos para transferir a culpa da inflação. Aliás, como tem feito com quase todos os grandes problemas que aparecem. A culpa é dos outros.

A retórica presidencial na ONU, porém, espertamente esquece que o lockdown à brasileira (que nunca chegou a ser efetivo por conta da pressão contrária do próprio governo federal) do início da pandemia não trouxe problemas de abastecimento de alimentos.

O presidente esquece que a inflação se aqueceu na fase de retomada da economia e no rastro da quebra das cadeias produtivas em todo mundo, que trouxe dificuldades de suprimento de insumos para a indústria. A alta dos preços de commodities de alimentos no mundo inteiro ajudou a piorar. Problemas que não são só brasileiros.

O problema brasileiro foi, sim, o governo não ter se beneficiado completamente do boom de commodities e aumento das exportações. A despeito desse movimento, o real continuou bastante desvalorizado e a taxa de câmbio pressionada por fatores internos com ruídos políticos alimentados pelo próprio presidente e econômicos. Tudo isso se somou à administração titubeante da crise hídrica com o tarifaço de energia potencializaram os problemas para o controle da inflação que começou a dar as caras no segundo semestre do ano passado. Trata-se de mais desinformação que Bolsonaro tenta emplacar para o seu eleitorado.