O Globo, n. 32686, 02/02/2023. Opinião, p. 2

Força da oposição no Congresso será positiva para o país



Os nomes apoiados pelo Palácio do Planalto foram escolhidos ontem para comandar as duas Casas do Congresso, mas o resultado da eleição no Senado serviu para demonstrar que a oposição ao governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva ainda tem força. Mesmo abalado pelos ataques do 8 de Janeiro em Brasília, o grupo político do ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu se reagrupar e deverá criar dificuldades para as pautas de interesse do governo.

Na Câmara não houve surpresa. O deputado Arthur Lira (PP-AL) foi reconduzido à presidência com a tranquilidade prevista: 464 votos. No Senado, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também foi reeleito, mas com margem menos folgada. Obteve 49 votos, 17 a mais que Rogério Marinho (PL-RN). Os 32 votos em Marinho teriam sido suficientes para abrir uma CPI e, com apenas um a mais, a oposição poderia barrar Propostas de Emenda Constitucional (PECs), que exigem três quintos das duas Casas.

A correria de ministros e senadores da base aliada para garantir votos a Pacheco nos dias que antecederam a votação comprova a força da oposição. No final, eles obtiveram resultado favorável, mas nem na base governista houve consenso. Na formação dos ministérios, Lula fez aliança com MDB, PSD e União Brasil. O voto secreto, garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última eleição em 2019, abriu, porém, espaço a defecções. Senadores do PSD e do União Brasil chegaram a declarar apoio a Marinho.

O bloco constituído no Senado em torno da candidatura do ex-ministro do Desenvolvimento Regional reúne diferentes interesses. O PSDB, que sempre fez oposição tímida aos governos petistas, prometeu uma atuação programática no Parlamento. Na votação de ontem, nenhum dos três senadores tucanos deu seu voto a Pacheco. A legenda, outrora identificada com a luta pela democracia e com a centro-esquerda, se aliou a Marinho e aos bolsonaristas.

O grupo ligado a Bolsonaro, formado por PL, PP e Republicanos, foi impactado pela reação ao vandalismo do 8 de Janeiro e evitou os holofotes nas últimas semanas. A campanha pela presidência do Senado ofereceu uma oportunidade de reorganização. O próprio Bolsonaro, ainda nos Estados Unidos, empenhou-se com pedido de votos, e seus partidários promoveram ataques nas redes sociais a Pacheco e a seus apoiadores.

O Planalto já fez acenos a deputados e senadores da oposição em busca de uma maioria mais confortável. Aposta na falta de convicção ideológica dos parlamentares e na sede por verbas e cargos. É provável que obtenha algum sucesso na iniciativa, mas a votação de ontem mostrou que a vida do governo no Congresso não será tão fácil.

É positivo para o país que haja um contraponto produtivo aos projetos do Planalto, e o Senado desponta como principal foco dessa resistência. Apesar das trapalhadas de Bolsonaro, a oposição ao governo Lula no Congresso poderá assumir papel relevante ao evitar os arroubos petistas mais radicais, em particular nas pautas ligadas à economia.