O Estado de S. Paulo, n. 46726, 22/09/2021. Política, p. A8

Estadão Verifica: Presidente faz 10 afirmações inverídicas em discurso


 
 Em discurso de 12 minutos e 10 segundos, o presidente Jair Bolsonaro citou ontem ao menos dez alegações falsas ou enganosas na abertura da Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Ele mentiu sobre a dimensão dos atos governistas de 7 de Setembro e sobre atividades do BNDES no exterior. E, pelo terceiro ano consecutivo ao falar na abertura da cúpula, divulgou dados falsos sobre meio ambiente e a Amazônia. A seguir os principais trechos da checagem do Estadão Verifica.

"As manifestações de 7 de Setembro, de apoio ao governo federal, foram as maiores da história.”

Falso. Os atos foram visivelmente menores que eventos anteriores, como protestos contra a presidente Dilma Rousseff em 2015 e 2016 e as manifestações generalizadas em 2013. Em março de 2016, por exemplo, o público estimado na Avenida Paulista era de 500 mil pessoas. No 7 de setembro, foi de 125 mil.

“O governo pagou auxílio emergencial de US$ 800 para 68 milhões de pessoas em 2020.”

Impreciso. O número faz sentido se considerarmos a média do valor pago a todos os beneficiários ao longo de 2020. No ano passado, foram destinados R$ 288,7 bilhões a 67,9 milhões de brasileiros, de acordo com o Ministério da Cidadania, média de R$ 4.251 por beneficiário (US$ 797 na cotação atual). Mas nem todos os brasileiros receberam o mesmo valor. O auxílio começou a ser pago em abril do ano passado, em cinco parcelas de R$ 600 ou R$ 1.200 (para mães solteiras) – US$ 112 ou US$ 224, na cotação atual. O programa foi estendido, com valores de R$ 300 e R$ 600 – equivalente a US$ 56 e US$ 112 por mês.

“O Brasil está há 2 anos e 8 meses sem nenhum caso concreto de corrupção.”

Enganoso. Ao menos dois casos de corrupção são investigados pela Polícia Federal. Em maio, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão que envolveram o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e a cúpula do Ibama por suspeitas de corrupção. O MPF e a PF também investigam suspeitas de corrupção no contrato do Ministério da Saúde para comprar a vacina Covaxin, em que o País pagaria US$ 1,6 bilhão por 20 milhões de doses – US$ 15 cada. O contrato foi suspenso após as suspeitas.

“Nosso Banco de Desenvolvimento era usado para financiar obras em países comunistas, sem garantias. Quem honra esses compromissos é o próprio povo brasileiro.”

Falso. O BNDES realizou 148 operações em 15 países por meio do mecanismo de crédito para exportação de bens e serviços. Todos os contratos tiveram garantias e as inadimplências não foram cobertas por impostos dos contribuintes.

“83% da energia no Brasil vem de fontes renováveis.”

Superestimado. O Brasil tem 44,9% de fontes renováveis em sua matriz energética, segundo dados do Balanço Energético Mundial 2020, da Agência Internacional de Energia (IEA). É o maior porcentual no G20.

“14% do território nacional, ou seja, mais de 110 milhões de hectares, são destinados às reservas indígenas.”

Impreciso. Segundo a Funai, existem 450 terras indígenas. Destas, nove já foram homologadas e 441, regularizadas. Somadas, têm 1,07 milhão de km² – o equivalente a 12,6% do território nacional.

“A área das terras indígenas no Brasil é equivalente aos territórios da França e Alemanha somados.”

Verdadeiro. Dados do Banco Mundial mostram que a Alemanha tem área de 349,4 mil km², e a França, 547,6 mil km². Somados, são 896,93 km² – menor do que a soma das áreas de terras indígenas já homologadas ou regularizadas no País.

“66% do território brasileiro tem vegetação nativa, a mesma desde o descobrimento, em 1500”.

Enganoso. Relatório do Projeto Mapbiomas de agosto de 2020, diz que o Brasil tinha 66,3% do território coberto por vegetação nativa. A mesma organização, porém, aponta que ao menos 9,3% da vegetação natural do Brasil é secundária – ou seja, já foram desmatadas e convertidas para uso antrópico.

“Na Amazônia os desmatamentos tiveram redução de 32% no mês de agosto, em comparação ao mês do ano anterior.”

Verdadeiro, mas falta contexto. A comparação omite fatos importantes. Os meses de março, abril, maio e junho de 2021 registraram recordes de alertas desde o início da série histórica, em 2015. Já o Sistema de Alerta de Desmatamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que adota metodologia diferente do Deter, apontou aumento de 7% em agosto de 2021, em relação ao mesmo mês do ano passado.

“ No bioma amazônico, 84% da floresta está intacta.”

Falso. O Projeto Mapbiomas calcula que 78,4% do bioma ainda é composto por florestas. A perda de cobertura foi de 44,5 milhões de hectares desde 1985. Já o Inpe informa que o desmatamento acumulado na Amazônia até 2020 era de 729,7 km², 17% da área total. Para o Observatório do Clima, parte da floresta que Bolsonaro diz estar “intacta” está degradada por exploração de madeira, fogo e outros fatores.

“O governo federal distribuiu mais de 260 milhões de doses de vacinas e mais de 140 milhões de brasileiros já receberam a primeira dose, o que representa quase 90% da população adulta.”

Verdade. Segundo o consórcio de veículos de imprensa, 263 milhões de doses já foram recebidas pelos Estados, e 142 milhões de pessoas foram imunizadas com pelo menos uma dose. Isso representa 87,7% da população com mais de 18 anos.

“ Na economia, temos um dos melhores desempenhos entre os emergentes.”

Falso. Relatório “Perspectivas a Economia Mundial” do FMI mostra que o desempenho do PIB do Brasil ficou atrás de países com China, Rússia e Nigéria.

“ Nossas estatais davam prejuízos de bilhões de dólares no passado, e hoje são lucrativas.”

Verdade, mas falta contexto. O presidente omite que as estatais brasileiras registraram resultados positivos já na gestão de Michel Temer.

“O crescimento da economia estimado para 2021 é de 5%.”

Verdadeiro, mas falta contexto. A previsão de alta no PIB em 2021 é de 5,04%, de acordo com Relatório de Mercado Focus mais recente, mas essa estimativa vem caindo – há quatro semanas, era de 5,22%.

“O País terminou 2020 com mais empregos formais que em dezembro de 2019.”

Impreciso. Em janeiro de 2020, o Caged alterou os procedimentos para declaração das informações e o uso de novas fontes de dados.