O Globo, n. 32685, 01/02/2023. Política, p. 6

Lira: base sem orçamento secreto dá "mais trabalho''

Dimitrius Dantas
Gabriel Sabóia


O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou ontem que o governo terá mais dificuldades para formar a base no Congresso com o fim do orçamento secreto. Em entrevista à GloboNews, o deputado, que concorre hoje à reeleição ao comando da Casa, lamentou o fim do mecanismo, determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022. O expediente, que consistia na distribuição desigual de recursos pelo governo aos parlamentares, foi largamente usado no governo de Jair Bolsonaro para angariar apoio a pautas legislativas que interessam ao Executivo.

Depois da decisão, os R$ 19,4 bilhões previstos no orçamento secreto em 2023 foram redistribuídos — metade, ou seja, R$ 9,7 bilhões passaram à alçada das emendas individuais dos parlamentares e outra metade ficará à disposição dos ministérios. Esta modalidade de emenda, além de ser repartida de maneira igualitária entre os congressistas, é de pagamento obrigatório, enquanto no modelo anterior não havia imposição de pagamento, o que permitia ao governo liberar o fluxo de recursos de acordo com a agenda de interesses no Congresso.

— Esse governo inicia já com metade do orçamento municipalista (como Lira chama o orçamento secreto) em emendas impositivas, de emendas individuais. Portanto, o governo que se inicia perdeu metade de sua mobilidade de conseguir arrumar a base no Congresso Nacional, o que vai demandar muito mais trabalho —afirmou Lira.

Jantar com Dirceu

Em campanha por mais dois anos no cargo e com um bloco amplo de apoio, que vai do PL, de Jair Bolsonaro, ao PT, de Lula, Lira fez um afago ao governo e disse que a reforma tributária será prioridade caso consiga um novo mandato à frente da Câmara. O tema é visto como essencial pelo Palácio do Planalto, que planeja acelerar a discussão ainda no primeiro trimestre.

Em outro lance do estreitamento de relações entre Lira, que foi aliado de Bolsonaro, e a nova gestão, o presidente da Câmara compareceu na terça-feira a um jantar que reuniu integrantes da cúpula do PT, em Brasília — também estava lá o ex-ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil no primeiro governo Lula. O evento foi organizado para comemorar o início do período de Zeca Dirceu (PTPR), filho do ex-ministro, na liderança do PT na Câmara.

A presença de José Dirceu causou uma saia-justa, segundo relataram ao GLOBO participantes do encontro, que evitaram posar para fotos ao lado do ex-titular da Casa Civil. Dirceu aparece em apenas um registro compartilhado pelo PT nas redes sociais, ao fundo, enquanto Lira discursava.

No local, após cumprimentar Dirceu, Lira discursou brevemente e defendeu a colaboração com o Executivo. Favorito para a reeleição, o presidente da Câmara trabalha para ter a maior votação da história das eleições da Casa.

Uma das presentes ao jantar, a deputada Maria do Rosário (PT), que deve ocupar um cargo na Mesa Diretora da Câmara em caso de vitória de Lira, contemporizou a presença de José Dirceu:

— Ele estava ali no papel de pai do Zeca, que será um grande líder na bancada. Ele estava orgulhoso de ver onde o filho chegou. Não houve qualquer outra atuação, que não fosse familiar.

Fora da posse

A escolha por Zeca Dirceu para a liderança do partido, entretanto, chegou a ser vista internamente como uma forma de contemplar o ex-ministro. O petista ficou fora da discussão para a composição dos principais cargos no novo governo e nem sequer esteve entre os convidados da cerimônia de posse. Ao GLOBO, ele disse ter preferido acompanhar a solenidade entre militantes para evitar eventuais repercussões negativas da sua presença. José Dirceu foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mensalão e também foi alvo da Lava-Jato.

Anteriormente, Zeca negou que a escolha pelo seu nome tenha tido a finalidade de contemplar o pai:

— Não há qualquer relação. A escolha ocorreu de maneira democrática. É uma honra liderar o PT na Câmara neste momento, eu cresci neste partido.