O Globo, n. 32743, 31/03/2023. Política, p. 7

Base pede suspensão de acordos de leniência

Bianca Gomes
Cleide Carvalho


PSOL, PCdoB e Solidariedade, partidos da base do governo Lula, ingressaram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender as indenizações e multas impostas em todos os acordos de leniência celebrados entre o Estado e empresas investigadas pela Operação Lava-Jato.

O objetivo é reconhecer que os acordos foram pactuados em “situação de extrema anormalidade político-jurídico-institucional”, mediante “situação de coação”. Crítico da Lava-Jato, o presidente Lula já afirmou que a investigação “quebrou empresas”.

A ação diz que o Ministério Público Federal, “de forma inconstitucional”, chama para si todos os acordos de leniência. Afirma que o MPF “arrogou-se competência exclusiva” para celebrá-los, o que, segundo as legendas, ocasionou “graves distorções na parte pecuniária dos acordos”. O ministro André Mendonça será o relator do caso.

“Um modelo constitucionalmente adequado de enfrentamento da corrupção por meio de acordos de leniência tem de (1) prever a possibilidade de repactuação; (2) preservar a companhia, prevendo, conforme o caso, a compensação de crédito tributário ou em precatórios. Caso contrário, o Judiciário chancelará uma dicotomia inconstitucional, a pretexto de combate à corrupção”, diz a ação.

Os partidos pedem que a celebração de acordos desse tipo seja centralizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) e que o órgão seja responsável pela revisão dos acordos a partir de critérios a serem fixados pelo Supremo.

A revisão, segundo as siglas, é necessária porque as negociações foram contaminados por coação e pela incapacidade de as empresas pagarem acordos de leniência “superfaturados”. Defende que as dívidas, dentro do possível, sejam equacionadas com a capacidade de geração de caixa das empresas.

“Absoluta coação”

Na ação encaminhada ao STF, os partidos afirmam que os acordos de leniência e delação premiada foram firmados num contexto de “absoluta e irresistível coação” e que poderiam até mesmo ser tipificados como crime de extorsão. Segundo o documento, as empresas foram obrigadas a celebrar acordos para evitar “um mal maior” e que, na Lava-Jato, a lei permitiu ou até mesmo incentivou a prática de atos de coação de órgãos do Estado sobre as empresas, criando vícios a validade dos documentos.

O pedido foi feito por meio de um instrumento jurídico chamado Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), com pedido de medida cautelar para que a decisão do STF passe a valer imediatamente.

A ação diz ainda que houve arbitrariedade na aplicação de uma espécie de multa híbrida, que uniu ressarcimento de valores e multa, acordos de leniência e inclusão de fatos que acabaram não sendo qualificados como ilícitos. O documento cita como exemplo a Odebrecht, onde um contrato “guarda-chuva” com a empresa disciplinava os acordos de delação premiada dos executivos que aderissem a ele, lembrando que 77 executivos assinaram num mesmo dia.

O ex-procurador e deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que coordenou a força- tarefa da Lava-Jato em Curitiba, reagiu à ação por meio do Twitter indagando se partidos aliados do presidente Lula “querem impedir que as empreiteiras paguem os valores desviados”. Já o ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR) disse que o processo está sendo usado em “prol do mundo do crime e contra o cidadão”.

Entre as empreiteiras que firmaram acordos de leniência e admitiram a formação de um cartel para fraudar contratos da Petrobras estão Odebrecht, OAS , Andrade Gutierrez, UTC e Camargo Corrêa.