O Globo, n. 32742, 30/03/2023. Política, p. 5

Atrito no Congresso pode resultar em despejo

Lauriberto Pompeu


A queda de braço entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP—AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a tramitação de medidas provisórias (MPS) pode acabar no despejo de senadores e deputa- dos que nada têm a ver com a disputa. Em mais um episódio de atrito entre os chefes das duas Casas, a Câmara decidiu pedir de volta os apartamentos funcionais ocupados por ex-deputados que se elegeram senadores.

Entre os afetados pela ação da Casa comandada por Lira estão os senadores Romário (PL-RJ), Tereza Cristina (PP-MS), Laércio Oliveira (PP-SE), Efraim Filho (União-PB), Marcelo Castro (MDB-PI), Professora Dorinha (União-TO), Eliziane Gama (PSD-MA), Hiram Gonçalves (PPRR), Davi Alcolumbre (União-AP) e Alan Rick (União-AC).

A medida foi comunicada em ofício enviado pelo quarto secretário da Câmara, Lucio Mosquini (MDB-RO), ao presidente do Senado. A Quarta Secretaria é responsável pelo setor habitacional da Casa. O presidente do Senado, no entanto, afirmou que vai tentar manter o acordo que vigora atualmente:

— De minha parte, manterei a situação atual e o convênio entre as duas Casas.

Mosquini, no entanto, afirma que os senadores que ocupam imóveis da Câmara tomam vagas que deveriam ser de deputados.

—Tornou-se público e notório que esta Casa não dispõe de imóveis funcionais suficientes para acomodar todos os deputados e seus familiares. Com aproximadamente 370 imóveis aptos para efetiva ocupação, a carência por apartamentos ultrapassa cem unidades —disse o deputado do MDB no ofício.

De acordo com a decisão da Câmara, deputados que já foram senadores também terão que devolver seus imóveis, que hoje são administrados pelo Senado. A medida afeta os deputados José Medeiros (PL-MT), Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Aécio Neves (PSDB-MG).

O quarto secretário criticou a quantidade de senadores que usam imóveis da Câmara e disse que isso “dificulta a manutenção de qualquer acordo entre as Casas”.

— Atualmente, 11 senadores ocupam apartamentos da Câmara dos Deputados, enquanto apenas três deputados residem em imóveis do Senado Federal —afirmou.

O GLOBO procurou os parlamentares afetados, mas não obteve resposta.

MP do Carf

O fim do acordo é mais um episódio na disputa entre Lira e Pacheco. Os dirigentes das duas Casas travam uma queda de braço em relação ao rito da tramitação das medidas provisórias. Diante do impasse, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalia manter somente os textos que regulamentam a reestruturação dos ministérios, que institui o novo Bolsa Família e o que recria o Minha Casa, Minha Vida no formato de MPs. O restante deve ser transformado em projeto de lei com urgência constitucional, como a extinção da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), a recriação do Mais Médicos e a mudança nas regras do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).

De acordo com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a ideia é uma solução emergencial que se impôs pela urgência para que os textos comecem a tramitar.

—Tanto a Câmara quanto o Senado entenderam que vamos limpar esse problema para não parar o país. Todo o resto é discutível —disse o senador.

Pelo modelo adotado até a pandemia, as MPs começavam a tramitar por uma comissão mista, com igual número de deputados e senadores. Por conta de um rito emergencial adotado devido à crise da Covid-19, hoje as medidas provisórias são votadas primeiro pela Câmara, a quem também cabe a palavra final sobre o texto. O Senado quer retomar o rito anterior,mas a Câmara resiste, já que perderia poder. Diante do impasse, o governo avalia transformar as MPs que considera prioritárias em projetos de lei com regime de urgência.

Nesta semana, Lira recuou e disse que aceitaria retomar as comissões mistas, desde que a proporção fosse de três deputados para cada senador. O argumento é que a Câmara tem 513 parlamentares e o Senado, apenas 81. A proposta foi rejeitada por Pacheco.