O Globo, n. 32741, 29/03/2023. Política, p. 6

Governo e STF defendem regulação das redes

Daniel Gullino
Marlen Couto


Em audiência pública ontem no Supremo Tribunal Federal (STF), ministros da Corte e do governo federal afirmaram que é preciso alterar a regulamentação das redes sociais, para ampliar a responsabilização das plataformas sobre os conteúdos publicados pelos usuários e coibir ataques à democracia. A discussão servirá ainda para embasar o debate de dois processos que tramitam no Supremo, sobre as regras do Marco Civil da Internet.

Além dos relatores das ações, os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, estiveram na audiência pública Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Moraes defendeu que o modelo atual de regulamentação da internet está “falido” e que as redes foram “instrumentalizadas” na preparação dos atos golpistas de 8 de janeiro:

— O modelo atual é absolutamente ineficiente. Destrói reputações e dignidades. Sem contar a instrumentalização que houve, de todas as big techs, no dia 8 de janeiro.

Liberdade de expressão

De 2014, o Marco Civil da Internet, em seu artigo 19, determina que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmenteporconteúdosdeterceiros se não cumprirem ordens judiciais de remoção. Os processos em tramitação no STF questionam o momento dessa responsabilização.

Barroso enfatizou que práticas como ataques à democracia e discursos de ódio propagados na internet não estão protegidos pela liberdade de expressão. O argumento é usado por quem discorda da regulação das redes.

— Desinformação, mentira deliberada, discurso de ódio, ataque à democracia, incitação à prática de crimes violam os três fundamentos que justificam a proteção da liberdade de expressão —listou.

— Precisamos fixar fronteiras entre uso e abuso.

O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei das Fake News, que tramita na Câmara, defendeu que as redes sociais detalhem o funcionamento de algoritmos que recomendam conteúdos aos usuários.

— Não é razoável conviver num ambiente em que o algoritmo seleciona quem pode ouvir ou não, quem pode particular do debate público ou não.

Partes envolvidas no debate, representantes de algumas das principais redes, como Google, Meta (controladora do Facebook e Instagram), ByteDance (dona do TikTok) e Twitter apresentaram dados de moderação de conteúdos feita no Brasil, inclusive durante as eleições. O objetivo foi argumentar que o artigo 19 é constitucional e que já agem, inclusive de forma proativa — mesmo sem decisão judicial —, para evitar conteúdos problemáticos. Elas sustentaram que não houve omissão no processo eleitoral nem nos atos de 8 de janeiro — convocações para os ataques, no entanto, circularam pelas plataformas.

O Google, por exemplo, garantiu que removeu no país mais de 1 milhão de vídeos em 2022 que violaram políticas contra desinformação, assédio, discurso de ódio, segurança infantil e violência — dez mil desses vídeos tinham desinformação sobre eleições. Segundo o advogado da plataforma, Guilherme Sanchez, muito mais que as 1.724 requisições recebidas em um ano para remoção de conteúdo.

Representante da Meta, o advogado Rodrigo Ruf Martins disse que a empresa rotulou 74 milhões de conteúdos sobre eleições com direcionamento para informações oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foram retirados do ar proativamente, diz, mais de 3 milhões de conteúdos no Facebook e Instagram por violação a políticas de conteúdo violência, incitação à violência e discurso de ódio entre agosto de 2022 e janeiro de 2023. Os conteúdos incluíam pedidos de intervenção militar e tentativas de subversão do Estado Democrático de Direito.