O Estado de São Paulo, n. 46759, 25/10/2021. Política p.A8

 

CPI avalia ampliar lista de investigados antes da votação do relatório

 

Daniel Weterman

 

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid avalia aumentar a lista de indiciados antes da votação do relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL), marcada para amanhã. O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), elaborou um adendo ao relatório e pediu o indiciamento do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e do ex-secretário de Saúde do Estado Marcellus Campêlo pela crise da falta de oxigênio em Manaus, no ano passado.

A inclusão não é consenso no grupo majoritário da CPI, composto por senadores de oposição e independentes ao governo do presidente Jair Bolsonaro. Braga ameaçou votar contra o parecer de Renan, se não for atendido.

Há ainda pedidos para indiciamento de outros personagens que apareceram ao longo da investigação, entre eles a fiscal do contrato da Covaxin, Regina Célia Oliveira, o presidente da ONG Instituto Força Brasil,

tenente-coronel Helcio Bruno de Almeida, acusado de participar de negociações suspeitas com o Ministério da Saúde, e o presidente da Associação Médicos pela Vida, Antônio Jordão, que promoveu o chamado tratamento precoce em alinhamento com o governo.

Nenhum novo nome, porém, está confirmado. Na quarta-feira passada, Renan apresentou uma lista de 68 indiciados, incluindo Bolsonaro. O relatório foi protocolado após uma divisão no grupo majoritário, que discordou dos crimes apontados inicialmente por Renan e da divulgação de informações na imprensa antes de um acordo entre os senadores. A reação levou o relator a recuar e fazer modificações. Agora, ele é novamente cobrado a incluir informações e aumentar a lista de indiciados.

Antes da votação do parecer, marcada para as 10h, a CPI deve abrir espaço para os senadores que apresentaram relatório paralelos, os chamados votos em separado: Alessandro Vieira (Cidadania-es), Marcos Rogério (DEM-RO), Eduardo Girão (Podemos-ce) e Luiz Carlos Heinze (Progressistas-rs). Além disso, devem ser discutidas as sugestões adicionais de Eduardo Braga e do senador Izalci Lucas (PSDBDF), que pediu um aprofundamento nas suspeitas de desvios no Distrito Federal.

A sugestão de Braga deve ser protocolada hoje. O relator terá a opção de alterar o parecer e acatar ou não o adendo do senador, adversário político de Wilson Lima no Amazonas e pré-candidato ao governo do Amazonas em 2022.

 

CORTE. Ao apresentar o relatório na semana passada, Renan limitou a responsabilização sobre o colapso no sistema de saúde em Manaus a autoridades federais. O relator pediu indiciamento do ex-ministro Eduardo Pazuello e da secretária Mayra Pinheiro, do Ministério da Saúde. Até então, o senador argumentava que os gestores estaduais e municipais são investigados por órgãos locais e que uma CPI do Senado não tem a prerrogativa de investigar Estados e municípios.

"É inaceitável que o relatório final não peça a punição de nenhum dos responsáveis pelo caos vivido no Estado do Amazonas. Nosso Estado foi transformado em um verdadeiro campo de teste, com experimentos com remédios ineficazes, falta de oxigênio, de leitos de internação e até de covas para enterrar os nossos conterrâneos", escreveu Braga no adendo. "Não há nenhuma dúvida de que houve uma série de crimes e de criminosos que precisam ser punidos."

O senador pede o indiciamento do governador pelos crimes de epidemia com resultado de morte e prevaricação, previstos no Código Penal, além dos crimes de responsabilidade, improbidade administrativa e contra a humanidade. Campêlo é acusado de prevaricação, improbidade, crime contra a humanidade e falso testemunho. Braga pede ainda o encaminhamento das informações à Procuradoria-geral da República, no caso do governador, e ao Ministério Público do Amazonas, para responsabilizar o ex-secretário.

A crise em Manaus, com a falta de oxigênio nos hospitais, a flexibilização do isolamento social e o incentivo ao tratamento precoce, foi a primeira causa incluída no escopo da CPI quando a comissão foi instalada, em abril.

Para Braga, o governador do Amazonas precisa ser responsabilizado por uma série de atos praticados na pandemia, entre eles fechamento de um hospital de campanha em julho de 2020, além de supostas fraudes em contratações apuradas pela CPI.

 

'ELEITORAL'. O governador Wilson Lima classificou o pedido de Eduardo Braga como um ataque eleitoral do parlamentar. "O que ele quer é cavar manchetes nacionais com o objetivo de me atacar, uma vez que se ensaia para ser candidato em 2022", disse. "Tudo isso já está sendo apurado pelos órgãos de controle e prestamos todos os esclarecimentos necessários", completou.

A defesa do ex-secretário Marcellus Campêlo não foi localizada até a conclusão desta reportagem.

 

"O que ele (Braga) quer é cavar manchetes com o objetivo de me atacar, já que se ensaia para ser candidato em 2022"

Wilson Lima Governador do Amazonas

 

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Ciência reage a presidente, que vincula vacinas a aids

 

Fake news

 

Adriana Ferraz

Um dia após o relatório final da CPI da Covid ser lido no Senado e pedir o indiciamento de Jair Bolsonaro por causa de sua postura e condução durante a pandemia de covid-19, o presidente voltou a atacar a vacina e a colocar dúvidas sobre sua segurança. Bolsonaro afirmou na quinta-feira passada, em sua live semanal, que pessoas que tomaram duas doses do imunizante contra o novo coronavírus no Reino Unido estão desenvolvendo aids.

A afirmação, que é mentirosa, foi publicada em um site inglês conhecido por espalhar teorias da conspiração e replicada por apoiadores do presidente aqui no Brasil. Em seu programa online, Bolsonaro introduz o tema dizendo que daria uma "notícia grave, mas sem fazer comentários a respeito". Em seguida, pega uma espécie de jornal e, antes de supostamente ler uma reportagem, reconhece que já tratou do assunto no passado e que, por isso, "apanhou muito".

Mas seguiu: "Relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados (15 dias após a segunda dose) estão desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (aids) muito mais rápido que o previsto". E completa: "Recomendo que leiam a matéria. Não vou ler aqui porque posso ter problemas com a minha live."

A fake news que relaciona vacinas com o desenvolvimento de aids já era conhecida, a ponto de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter reforçado a importância de portadores de HIV serem imunizados contra a covid-19. Mas a propagação da mentira no momento em que o Brasil atinge mais da metade de sua população com a vacinação completa gerou revolta e críticas entre cientistas.

Por meio de nota, o Comitê de Hiv/aids da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) afirmou que não se conhece nenhuma relação entre qualquer vacina contra a covid-19 e o desenvolvimento de síndrome da imunodeficiência adquirida. A entidade repudiou "toda e qualquer notícia falsa que circule e faça menção a esta associação inexistente" e reafirmou que pessoas que vivem com Hiv/aids devem ser completamente vacinados, inclusive com o reforço (terceira dose) quando possível.

Considerada referência na área, a epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin (EUA), Denise Garrett, classificou a fala de Bolsonaro como "inescrupulosa, mentirosa e criminosa". Assim como colegas, ela usou as redes sociais para reforçar que nenhuma das vacinas contra covid-19 faz com que as pessoas desenvolvam aids.