O Globo, n. 32740, 28/03/2023. Política, p. 4

Checagem oficial

Bruno Góes
Fernanda Alves


Quatro dias depois de propagar uma informação falsa sobre o ex-ministro e senador Sergio Moro (UniãoPR), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem o lançamento de uma plataforma do governo federal para combater a disseminação de fake news. A iniciativa, mais uma do governo na seara do enfrentamento à desinformação, gerou preocupações no meio político, já que o Palácio do Planalto usará o aparato do Estado com o objetivo de estabelecer o que é verdadeiro ou falso sem que haja uma legislação para regulamentar o tema.

A ferramenta, que vai reunir desmentidos de dados que tenham sido veiculados pela mais variadas fontes, será operada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), comandada pelo ministro Paulo Pimenta, que também já publicou conteúdos inverídicos ao longo de sua trajetória. A página não detalha os critérios utilizados para caracterizar fake news tampouco disponibiliza um ambiente para o internauta enviar sugestões. Há apenas um passo a passo de como denunciar posts mentirosos às próprias plataformas de redes sociais.

Ao inaugurar o serviço, o governo se propõe a definir o que é ou não verdade, embora haja um vácuo na legislação brasileira sobre o assunto. Hoje, não há uma na lei que defina o conceito de desinformação. O chamado projeto das fake news, que busca regulamentar a questão, ainda está em discussão no Congresso.

Ao anunciar a ferramenta em seu perfil no Twitter, Lula afirmou que “o Brasil sofreu muito com mentiras nas redes sociais nos últimos anos” e que “precisamos fortalecer uma rede da verdade”.

Entre as publicações já desmentidas pela plataforma, há uma sobre o falso desligamento de bombas do Rio São Francisco e outra inverdade a respeito de uma suposta captação de recursos via Lei Rouanet pela cantora Ludmilla. Uma terceira, também rebatida pelo Planalto, afirmava que Lula teria sido impedido de entrar no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente.

Reações imediatas

O anúncio feito pelo petista provocou reações imediatas. Numa delas, a deputada Rosângela Moro (União-SP), mulher de Sergio Moro, lembrou o fato de Lula ter dito que uma operação da Polícia Federal que desbaratou o plano de uma facção criminosa para sequestrar o senador era uma “armação” do ex-juiz.

“Aguardo ansiosa na página Brasil Contra Fake que a Secom esclareça que a Operação Sequaz (realizada pela PF) é de verdade”, publicou Rosângela Moro.

Na quinta-feira passada, durante uma visita ao Complexo Naval de Itaguaí, na Região Metropolitana do Rio, Lula acusou Moro de ter armado para criar um plano de ataque contra si próprio:

— Eu não vou falar, porque acho que é mais uma armação do Moro, mas eu quero ser cauteloso. Eu vou descobrir o que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro, mas eu vou pesquisar e vou saber porquê da sentença.

Para o deputado Evair de Melo (PP-ES), o plano do governo é uma tentativa de dar a impressão de que “só eles têm razão”. O deputado argumenta que esse não é papel do governo .

— A verdade não é do governo. A plataforma até pode parecer bonita, mas as consequências dela podem ser terríveis. Eles só querem vender a verdade deles — criticou.

Para a líder do Novo, Adriana Ventura (SP), a plataforma do governo abre um precedente preocupante:

— Achei um aberração. Vai ser apenas uma estrutura para defender a versão do governo de crítica. A imprensa que se prepare.

A acusação a Moro, sem apresentar provas, e colocando a investigação feita pela própria PF, não foi a única inverdade propagada por Lula. Na semana anterior, ele disse que a Operação Lava-Jato, que era comandada pelo hoje senador do União Brasil, seria uma “mancomunação” de órgãos brasileiros com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos:

— Eu tenho certeza disso, porque foi uma coisa que envolveu toda a América Latina e era uma coisa para destruir mesmo. Porque as empresas da construção civil brasileira estavam conquistando espaço no mundo inteiro — disse em entrevista ao Portal 247.

Há relatos da colaboração de agentes do FBI na investigação, mas nunca foi comprovado que a parceria teve por objetivo boicotar empresas nacionais, como Lula sugeriu.

O ministro Paulo Pimenta afirmou que as críticas de que o governo busca fornecer “verdades oficiais” refletem a falta de conhecimento sobre a iniciativa.

— Não se trata de contrapor opinião política ou narrativas. Vamos trabalhar com informação e checagem —disse ao GLOBO.

Para alimentar a plataforma, segundo ele, jornalistas da Secom vão coletar nos mais diferentes órgãos do governo dados reais que tenham sido distorcidos ou publicados incorretamente.

O próprio Pimenta, porém, também já espalhou notícias falsas. Em 2021, ele postou o documentário “Bolsonaro e Adélio —Uma facada no coração do Brasil”, que colocava em xeque a legitimidade do ataque sofrido pelo ex-presidente durante a campanha de 2018. Em 2022, Pimenta afirmou que Bolsonaro retornava ao assunto por fins políticos.

“O desespero de Bolsonaro é tanto que está tentando aplicar uma espécie de Plano Cohen Tabajara. Ele ressuscita a ‘Fakeada’ para tentar um último suspiro diante da derrota iminente. O miliciano é o pior presidente da história do Brasil e o povo não aguenta mais”, escreveu no Twitter à época.

Ofensivas do governo

Esta não é a primeira iniciativa do atual governo para determinar o que é fake news. Em janeiro, um decreto editado por Lula alterou a estrutura da Advocacia-Geral da União (AGU) e determinou a criação da chamada Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia. O órgão tem entre suas funções representar a União em “demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. A medida também gerou reações. O deputado Carlos Sampaio (PSDB) entrou com uma representação na Procuradoria-geral da República (PGR) contra o decreto.

A Secom também tem um setor com a função de promover ações buscando “o enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio na Internet”.