O Estado de São Paulo, n. 46757, 23/10/2021. Metrópole p.A20

 

Brasil tem 7 mil assassinatos de crianças e adolescentes por ano

 

Roberta Jansen

 

Por ano, 7 mil crianças e adolescentes no Brasil são mortos de forma violenta e ao menos 45 mil sofrem violência sexual. Os dados são do Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado ontem pela Unicef, braço das Nações Unidas para a infância, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O estudo diz que a violência ocorre de formas variadas, conforme a faixa etária da vítima. Crianças morrem na maior parte das vezes em decorrência de violência doméstica, cujo autor é conhecido, como um pai ou um padrasto.

Em 2020, 300 menores de até 9 anos foram mortos de forma violenta no País. Praticamente um caso por dia, grande parte em casa. O mesmo vale para a violência sexual, em geral cometida no lar por pessoas próximas. Já os adolescentes, a maioria das vítimas, são mortos majoritariamente na rua. O estudo ainda revela a alta proporção de mortos em ações policiais.

"A violência doméstica é um crime contra a infância. A violência urbana é um crime contra a adolescência, que atinge principalmente meninos negros", diferencia Florence Bauer, representante no Brasil da Unicef. "Embora sejam fenômenos complementares e simultâneos, é crucial entendê-los também em suas diferenças para desenhar políticas públicas de prevenção e resposta às violências", acrescenta ela.

 

MORTES E ABUSOS. O trabalho é uma análise inédita de boletins de ocorrência feitos nos últimos cinco anos nas 27 unidades da federação. Abrange mortes violentas intencionais (homicídio, feminicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte, morte decorrente de intervenção policial) e violência sexual contra crianças e adolescentes. Entre 2016 e o ano passado, foram identificados 35.626 assassinatos de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos no Brasil. Uma média de 7,1 mil mortes violentas por ano. São cerca de 20 por dia.

A maioria das vítimas de homicídio no período era de adolescentes, 31 mil deles na faixa de 15 a 19 anos. No mesmo período, foram identificadas pelo menos 1.449 homicídios de crianças de até 9 anos. O número dessas mortes vem subindo desde 2016, chegando a 300 crianças em 2020.

Olhando apenas para a primeira infância (até 4 anos), os dados são ainda mais preocupantes. Nos 18 Estados que dispunham de informações completas para o período, os assassinatos de crianças nessa faixa etária aumentaram 89% de 2016 a 2020, indo de 121 para 229. O crescimento foi puxado pela alta de mortes na primeira infância por arma de fogo, que triplicaram nesse período: de 28 para 85.

 

MENINOS NEGROS. Em todas as idades, as principais vítimas de morte violenta são os meninos negros. A faixa etária dos 10 aos 14 anos marca a transição da violência doméstica para a urbana. Quando o adolescente chega à faixa de 15 a 19 anos, essa violência letal está consolidada. Mais de 90% das vítimas são meninos e 80% são negros.

Em 2020, nos 24 Estados em que há dados (exceções são Bahia, Distrito Federal e Goiás), um total de 787 óbitos de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos foram identificados como mortes decorrentes de intervenção policial, o que representa 15% do total nessa faixa e indica uma média de mais de duas mortes por dia.

Por causa de problemas com os dados de 2016, a análise dos registros de violência sexual refere-se ao período entre 2017 e 2020. Nesses quatro anos, foram registrados 179.277 casos de estupro ou estupro de vulnerável com vítimas de até 19 anos. Uma média de quase 45 mil por ano. Crianças de até 10 anos representam 62 mil vítimas – um terço do total.

Meninas são a maioria dos que sofrem abuso sexual – quase 80%. Entre elas, um número muito alto de casos envolve vítimas entre 10 e 14 anos, sendo 13 anos a idade mais frequente. Para os meninos, o crime se concentra na infância, especialmente na faixa etária entre 3 e 9 anos.

 

Entre 2016 e 2020,

foram identificadas 35.626 vítimas de homicídios entre 0 e 19 anos no Brasil

 

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É urgente proteger crianças e adolescentes da violência

 

ANÁLISE: FLORENCE BAUER E SAMIRA BUENO FLORENCE

 

Nos últimos 5 anos, 35 mil crianças e adolescentes de até 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil. Além disso, nos últimos 4 anos, mais de 180 mil foram vítimas de violência sexual. É o que revela o Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes, estudo inédito do Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A maioria das vítimas de morte violenta é adolescente, morre fora de casa, vítima da violência armada urbana. Das 35 mil vidas perdidas, 31 mil tinham entre 15 e 19 anos. As mortes de adolescentes vêm caindo, mas continuam altas e têm um alvo específico: meninos negros. Mais de 90% das vítimas eram meninos e 80%, negros. A intervenção policial é responsável por 15% das mortes de crianças e adolescentes de 10 a 19 anos, nos Estados com dados disponíveis.

Outro alerta são as mortes violentas de crianças de até 4 anos, que aumentaram 27% de 2016 para 2020, primeiro ano da pandemia – passando de 112 para 142. Crianças são mortas dentro de casa, vítimas da violência doméstica.

O mesmo vale para a violência sexual, que acontece em casa, com autor conhecido. Entre 2017 e 2020, 180 mil crianças e adolescentes de até 19 anos sofreram estupro ou estupro de vulnerável – um terço delas menores de 10 anos. A maioria da vítimas (80%) é de meninas, a maior parte entre 10 a 14 anos. Entre os meninos, o crime acontece na infância, entre 3 a 9 anos.

Para reverter esse cenário, é fundamental capacitar profissionais que trabalham com crianças e adolescentes; enfrentar a violência baseada em gênero; trabalhar com as polícias; garantir a permanência de estudantes na escola; ampliar o conhecimento deles sobre seus direitos e os riscos da violência; responsabilizar os autores das violências; e investir no monitoramento e geração de evidências.

Não se pode naturalizar a violência, é preciso denunciar. Toda pessoa que testemunhar, souber ou suspeitar de violências contra crianças e adolescentes deve denunciar. Proteger é responsabilidade de todos.