O Globo, n. 32740, 28/03/2023. Opinião, p. 2

Lira faz demanda descabida na querela das MPs



Enquanto o Brasil atravessa dificuldades e tem urgência na aprovação de um novo regime fiscal e de reformas como a tributária e a administrativa, a pauta do Congresso está travada. É como se os congressistas pudessem se dar ao luxo de se desligar da realidade nacional e virar de costas aos que os elegeram em outubro.

O motivo é a querela entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em torno do trâmite das Medidas Provisórias (MPs), normas com força de lei editadas pelo presidente da República. Embora tenham efeitos jurídicos imediatos, as MPs precisam ser examinadas e votadas no Congresso. Enquanto isso não ocorre, elas travam a pauta e impedem que o Parlamento analise outras propostas legislativas.

O artigo 62 da Constituição afirma: “Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional”. Uma resolução do Congresso de 2002 disciplinou o rito de tramitação. Determinou que essas comissões mistas seriam integradas por 12 senadores e 12 deputados e que haveria alternância entre deputados e senadores na presidência e relatoria. As duas Casas com pesos iguais. Assim foi até a pandemia.

Em março de 2020, as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado assinaram uma norma para adaptar o trabalho do Congresso à calamidade. Ficou acertado que não seriam instaladas comissões mistas durante a vigência do estado de Emergência em Saúde Pública. As MPs teriam um rito expresso, com o poder concentrado nas mãos do presidente da Câmara.

O pior da pandemia passou, a Emergência em Saúde Pública ficou para trás, mas Lira queria transformar o temporário em definitivo. Pacheco tentou sem sucesso saídas para evitar o confronto. Não teve jeito. Enquanto Lira e Pacheco se digladiam, a pauta do Congresso segue parada. MPs dos governos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva ainda não foram votadas devido à disputa.

O artigo 62 foi pensado para limitar o poder da Presidência da República, pondo fim à farra dos decretos-leis, antes usados sem limites pelo Executivo. A investida de Lira agora é uma tentativa de mexer no equilíbrio conquistado entre Legislativo e Executivo. Ele e seus apoiadores querem desobedecer à Constituição e passar por cima das regras internas para aumentar o poder da Câmara, em detrimento do Senado. Nenhum dos argumentos que apresentam — maior celeridade é o principal — justifica a virada de mesa.

O país tem pautas urgentes que estão paradas. Há 26 MPs em tramitação no Congresso, nenhuma delas no Senado. O prazo médio de tramitação era ontem de 51 dias. Estão paradas as relativas à isenção de impostos sobre combustíveis, ao restabelecimento dos programas Minha Casa Minha Vida e Bolsa Família e até à criação dos novos ministérios do atual governo. O foco de Lira deveria estar em liberar a pauta para que o Parlamento possa se ocupar da agenda necessária para o país.