O Estado de S. Paulo, n. 46720, 16/09/2021. Política, p. A10

Julgamento do marco temporal é suspenso

Weslley Galzo
Rayssa Motta


O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes pediu ontem a suspensão do julgamento sobre a tese de marco temporal para demarcação das terras indígenas por tempo indeterminado. O placar está empatado.

O marco temporal funciona como um referencial para contestações na Justiça ao sugerir que uma terra só pode ser demarcada se ficar comprovado que os indígenas estavam no território na data da promulgação da Constituição, ou seja, em 5 de outubro de 1988.

O Supremo já dedicou seis sessões consecutivas exclusivas ao marco temporal. Ao pedir a suspensão do julgamento, Moraes justificou que o voto do ministro Kassio Nunes Marques, divergente do entendimento do relator, Edson Fachin, abriu margem para interpretações que precisam ser analisadas de forma criteriosa.

Antes da interrupção, Nunes Marques votou a favor do marco temporal. Ele disse que o entendimento tem sido reiterado pela Corte nos últimos anos e que sua derrubada favoreceria conflitos fundiários. "A revisão da jurisprudência deste tribunal representaria grave risco à segurança jurídica", afirmou.

Indicado para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro, Nunes Marques adotou posicionamento semelhante ao da Advocacia-geral da União (AGU). A pasta também argumentou que a falta de uma data para estabelecer as demarcações pode gerar insegurança jurídica e "atentar contra a paz social".

'Insegurança'. Nunes Marques disse ainda que o reconhecimento de pedidos de posse posteriores à data de promulgação da Constituição "implicaria o direito de expandi-las ilimitadamente para novas áreas já definitivamente incorporadas ao mercado imobiliário". "A propriedade privada é elemento fundamental das sociedades capitalistas, como é a brasileira atual. A insegurança sobre esse direito é sempre causa de grande desassossego e de retração de investimentos."

Além de Nunes Marques, apenas Fachin votou – ele se manifestou contra a tese na semana passada por risco de "progressivo etnocídio". O procurador-geral da República, Augusto Aras, também foi contra o marco temporal. Ele lembrou que a Constituição registrou a importância do reconhecimento dos indígenas como os primeiros ocupantes das terras e que o status garantido constitucionalmente a eles dispensa a necessidade da demarcação – que, em sua avaliação, funciona mais como um instrumento jurídico para facilitar a reivindicação das terras.

A interrupção do julgamento frustrou milhares de indígenas que aguardam uma decisão – grupos montaram acampamentos em Brasília para acompanhar a análise do caso pelo STF.