O Globo, n. 32736, 24/03/2023. Política, p. 6

Lula contraria provas e cita ''armação do Moro”

Bruno Góes
Jan Niklas
Luísa Marzullo


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou ontem desconfiar que o plano para atacar o senador Sergio Moro (UniãoPR) é uma “armação” do exjuiz da Lava-Jato, contrariando informações colhidas pela Polícia Federal (PF) e afirmações do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. A declaração foi dada pelo petista numa visita ao Complexo Naval de Itaguaí, na Região Metropolitana do Rio, onde está a linha de produção do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) da Marinha. Logo em seguida, Moro rebateu: “O senhor não tem decência?”

Ao ser indagado como via o plano criminoso revelado pela PF, que previa o ataque a Moro, ao promotor Lincoln Gakyia e q outras autoridades, o presidente reagiu:

— Eu não vou falar, porque acho que é mais uma armação do Moro, mas eu quero ser cauteloso —disse Lula, enfatizando.

— É visível que é uma armação do Moro, mas eu vou pesquisar. Até fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele, mas isso a gente vai esperar. Eu não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Eu acho que é mais uma armação. Ele vai ficar mais desmascarado ainda. Eu não sei o que ele vai fazer da vida, se ele continuar mentindo do jeito que está mentindo.

As afirmações foram feitas antes de os detalhes da operação virem a público, com o fim do sigilo do inquérito.

Após ter sido acusado de “armação” por Lula, Moro rebateu o petista em entrevista à CNN Brasil. Segundo o senador, o presidente riu de sua família, ameaçada por um grupo criminoso, e tratou o caso de forma pejorativa.

— Então quero perguntar ao senhor presidente da República: o senhor não tem decência? Não tem vergonha com esse seu comportamento? Se acontecer alguma coisa com a minha família, a responsabilidade está nas costas desse presidente da República —disse.

Ao falar que o plano para atacar o senador seria uma suposta “armação” do ex-juiz, Lula foi de encontro a declarações feitas anteontem por Dino:

— É uma investigação tão séria que foi feita em defesa da vida e da integridade de um senador de oposição ao nosso governo.

A PF recolheu evidências de que integrantes da maior facção criminosa do país estavam monitorando Moro e familiares e cogitaram um ataque no dia do segundo turno da eleição. A operação foi elogiada pelo diretor-geral da corporação, Andrei Rodrigues. A Associação de Delegados da Polícia Federal (ADPF) acrescentou que as apurações ocorreram com “cautela e amparadas na lei”. A Associação dos Juízes Federais (Ajufe), por sua vez, disse que a atuação da Justiça Federal é “extremamente importante no combate ao crime organizado”.

A declaração de Lula provocou reações da oposição e de aliados. O deputado federal e ex-procurador da República Deltan Dallagnol (Podemos-PR) saiu em defesa de Moro e, nas redes sociais, afirmou que o presidente “desmoralizou seu próprio ministro”, em referência a Dino. O deputado acionou a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, órgão da Advocacia Geral da União responsável pelo combate à desinformação, contra Lula.

Outros parlamentares da oposição se juntaram ao exprocurador. Colega de Moro no Senado, o ex-vicepresidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS) afirmou que falta “equilíbrio emocional” ao presidente e classificou o ex-juiz como “um homem de honra”. Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chamou Lula de “perseguidor oficial da República”.

Aliados reprovam

Aliados de Lula admitiram ontem em conversas privadas que o novo ataque a Moro, além de ser “contraproducente”, foi mais uma “escorregada”. Entre ministros e parlamentares petistas, houve perplexidade com o fato de Lula atribuir uma ação da PF a uma “armação” de Moro. Em entrevista nesta semana à TV 247, Lula já havia dito que, no período em que esteve preso, chegou a afirmar que “que só estaria tudo bem quando conseguisse foder o ex-juiz”.

Agora, aliados do presidente estudam se devem mexer novamente no tema ou se deixarão o assunto morrer. Em público, após o constrangimento, os ministros resolveram adotar o silêncio. Um deles, ouvidos pelo GLOBO, considerou a postura “totalmente contraproducente”. Ontem, ao sair de uma reunião no palácio, outro petista demonstrou estranheza: “Ou sabe de algo muito grave, ou escorregou mais uma vez”.

Aliados de Lula consideram que durante entrevista à TV 247, em que admitiu ter pensando em vingança contra o ex-juiz quando estava na cadeia, Lula já havia cometido um erro. De acordo com aliados do presidente, Moro passou ficar sob os holofotes de forma desnecessária.

Antes do novo ataque de Lula, petistas tentavam engajar aliados nas redes sociais com discurso incompatível com a postura de Lula.

Substituta de Moro

Ao questionar a posição da juíza que chancelou a operação da PF, Lula se referiu a Gabriela Hardt, que assinou os mandados de prisão e de busca e apreensão. A magistrada substituiu Moro na Lava-Jato quando o ex-juiz pediu exoneração do cargo, em 2018, para assumir o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro.

Gabriela é juíza substituta na 13ª Vara Criminal, comandada pelo juiz Eduardo Fernando Appio. Embora a força-tarefa da Lava-Jato tenha sido encerrada em 2021, processos decorrentes dela ainda tramitam. A operação, no entanto, ocorreu no âmbito da 9ª Vara Criminal, cuja magistrada titular saiu de férias semana passada, o que levou à redistribuição do inquérito, com as decisões ficando para Gabriela.