O Globo, n. 32735, 23/03/2023. Economia, p. 13

“Ninguém está prometendo coisas mirabolantes''

Entrevista: Rogério Ceron - Secretário do Tesouro Nacional


Após o governo reduzir de R$ 231 bilhões para R$ 107 bilhões a previsão de déficit nas contas públicas neste ano, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, espera terminar 2023 com números melhores. Em entrevista ao GLOBO, ele diz que será possível reduzir ainda mais, em até R$ 40 bilhões, o déficit previsto no relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas, divulgado ontem.

O governo mantém em sigilo detalhes do novo arcabouço fiscal, que Ceron evita tratar. O anúncio ficou para abril, após o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, voltarem da China. Ceron diz que o governo não prevê reduzir o tamanho do Estado, mas que toda medida de aumento de gasto ou redução de receita será compensada.

Não há previsão, porém, sobre o comportamento da dívida pública, que está hoje em 73,1% do PIB. O secretário defende Haddad e diz que o chefe da equipe econômica entregará o que promete.

O déficit pode ser menor que o previsto no relatório?
O relatório é positivo por não ter necessidade de contingenciamento. E estamos trabalhando para reduzir ao máximo possível o déficit primário, que estava previsto em R$ 231 bilhões no Orçamento. O relatório é prudente, ao considerar apenas o que está de fato em vigência. A perspectiva de melhoria do contencioso tributário, por exemplo, não entra nessa conta.

O relatório indica redução da projeção do déficit para R$ 107 bilhões. A meta é performar melhor que isso e reduzir para baixo de R$ 100 bilhões. Temos todo um trabalho pela frente ao longo do ano. Não para aqui. Estamos preparando outras medidas, como tributação das apostas eletrônicas e outras que vão ajudar a gerar arrecadação.
Com qual número o senhor trabalha?
Não vou ancorar o número, mas buscamos o melhor. Vai ter mais incremento de receita, sempre há algum empoçamento (não execução) de despesas. Acredito que é crível pensar em redução de mais de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões em relação a essa primeira avaliação. É um movimento extremamente relevante em termos de sinalização para o mercado e a sociedade.

O que estamos prometendo estamos entregando de forma bastante responsável, sem prometer aquilo que não é crível. Estamos trabalhando sério, no caminho correto, tomando as medidas adequadas. Não estamos brincando, estamos indo na direção correta. Ninguém está prometendo coisas mirabolantes, coisas de trilhões.

É possível neutralizar o déficit em 2024?
Tem mais medidas que precisam ser tomadas para atingir esse objetivo, e elas estão sendo preparadas.

Com qual horizonte estão trabalhando para estabilizar e reduzir a dívida pública?
Claro que o resultado primário desempenha seu papel, mas até mais relevante que isso é o fechamento da curva de juros. Nós temos um ruído que vem desde meados do ano passado, com uma abertura significativa da curva. Retomar 100 bps (pontos-base) ou 200 bps muda muito. E algo muito importante para ajudar esse fechamento é a sinalização do horizonte fiscal.

Economistas respondem: Novo arcabouço fiscal teria influência sobre decisão do BC sobre juros?
Não estou fazendo nenhuma discussão sobre o Banco Central. No fundo, é só retirar o ruído. Isso ajudaria muito na estabilização da trajetória da dívida num horizonte não tão longo.

Esse horizonte é qual?
É difícil cravar isso agora, porque depende de muitas questões, não vou antecipar essa discussão. Mas esse ajuste antecipa (a estabilidade) de forma relevante em relação ao que o mercado estima hoje.Em geral, o mercado prevê uma estabilização da trajetória da dívida em 2029, 2030. Com o fechamento da curva a termo e a credibilidade do ajuste que está em curso, será possível antecipar substancialmente a trajetória de estabilização da dívida.

O adiamento do arcabouço fiscal é um ruído adicional?
Não. Gosto de tirar um pouco da lente do hiper, micro, curto prazo. Compreendo que é uma dificuldade o presidente da República e o ministro da Fazenda anunciarem algo relevante para o futuro do país se vão estar fora (em viagem à China), sem fazer o diálogo para a sociedade. As coisas estão estáveis e não tem ruído.

O cenário internacional preocupa o Tesouro?
Preocupa se ele for mais grave do que está aparecendo até agora. Por ora, aparentemente, as coisas estão controladas. São casos pontuais, os bancos centrais estão atuando para prover liquidez.

Por que os EUA têm mais de 4 mil bancos?
Talvez force os bancos centrais, principalmente o americano e o europeu, a reduzir o processo de restrição na política monetária. Isso é o que a gente percebe ouvindo quem acompanha esse assunto. O Ministério da Fazenda acompanha de perto, e as sinalizações são de que está um ambiente controlado.

Houve o anúncio de medidas, como reajuste na tabela do Imposto de Renda, com impacto permanente de gastos…
Medidas novas serão acompanhadas das respectivas de compensação. O incremento da despesa vem junto com o de receita. As medidas podem não estar totalmente associadas, mas são movimentos conjuntos.

Não há retrocesso. Estamos trabalhando para colocar o país numa trajetória de estabilidade fiscal.

Há dúvidas sobre a intensidade do ajuste fiscal. É a ideal?
Há pessoas que gostariam que fosse mais ou menos intenso. Mas que não haja dúvida de que nós estamos caminhando para frente. Isso é muito importante como diretriz geral. Não há problema em ter medida meritória que impacte a despesa pública.

A visão do governo e do ministério é de um Estado que atenda a sociedade, não é de reduzir o tamanho do Estado. Mas a nossa diretriz é com responsabilidade fiscal.O ministro está sinalizando de forma contundente um caminho. Nós vamos trilhar um caminho de atender quem mais precisa com responsabilidade fiscal. Não são palavras ao vento. A equipe econômica está muito centrada em entregar o que está sendo prometido para a sociedade.

A meta é manter 19% do PIB de arrecadação federal?
A despesa pública está em torno de 18% do PIB. Então, 19% do PIB de receita, considerando que não vai reduzir o tamanho do Estado, é um montante que garante um Estado forte, que atenda a sociedade.

E aqui tem uma pauta de atender a sociedade, para eliminar a extrema pobreza do Brasil. É legítimo que uma casa de mercado ou especialistas que gostariam que o Estado fosse menor, mas o governo foi eleito com a promessa de eliminar a extrema pobreza do Brasil.

Não há espaço para se pensar em redução do tamanho do Estado. Ainda cabe ser mais eficiente, aprimorar a política pública, focalizar, não tenho dúvida.

Esse patamar de 19% é necessário para atingir isso. É mais ou menos o patamar em que a sociedade encontra seu equilíbrio, entre o atendimento da sociedade e o equilíbrio fiscal. Muito acima disso não é fácil e muito abaixo disso, o Estado não se sustenta.