O Estado de S. Paulo, n. 46714, 10/09/2021. Metrópole, p. A14

Metade das UBSs da capital paulista fica sem Astrazeneca para a 2ª dose

Mariana Hallal
Júlia Marques


Metade das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da cidade de São Paulo ficou ontem sem vacina da AstraZeneca para aplicação da segunda dose. No total, 240 dos 468 postos estão sem essas doses, segundo informações do secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido. O estoque atual do Município é de cerca de 37 mil doses, o que não é suficiente para abastecer todas as unidades.

Aparecido diz que entrou em contato com o governo do Estado e com o Ministério da Saúde para resolver a situação. Até o momento, não há previsão de novas entregas à cidade. “Ontem (quarta-feira) a gente conseguiu remanejar doses entre as unidades, mas hoje não dá mais.” Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde afirma que o ministério deveria ter enviado cerca de 1 milhão de doses até o dia 4 de setembro para suprir a demanda por segunda dose, mas não o fez. “O não envio dessas doses descumpre uma obrigação do Ministério da Saúde, (o envio) das vacinas necessárias à imunização complementar das pessoas que já tomaram a primeira dose”, diz.

Já o Ministério da Saúde diz que não deve nada ao Estado. “Mais 2,8 milhões de doses não foram enviadas porque o prazo de intervalo entre a primeira e segunda dose só se dará no fim do mês.” Segundo a pasta, “dados inseridos por SP no LocalizaSUS mostram que o Estado utilizou como primeira dose vacinas destinadas a dose 2”. “As alterações nas recomendações do Programa Nacional de Imunizações (PNI) acarretam na falta de doses para completar o esquema vacinal na população brasileira. Por isso, o Ministério da Saúde alerta mais uma vez para que Estados e municípios sigam o Plano Nacional de Operacionalização.”

De acordo com o portal De Olho Na Fila da Prefeitura de São Paulo, que mostra a disponibilidade de doses nos pontos de vacinação, todos os drive-thrus estão sem a vacina da AstraZeneca. Os postos montados em parques também não contam com o imunizante. Para conferir quais locais ainda possuem AstraZeneca basta acessar o portal, selecionar o posto desejado e clicar em “disponibilidade 2.ª dose”. Questionado sobre a possibilidade de aplicar uma dose de Pfizer em quem recebeu a primeira de AstraZeneca, Aparecido diz que essa poderia ser uma saída viável se houvesse Pfizer em abundância. No momento, esses imunizantes estão sendo usados na vacinação de adolescentes, com grande adesão à campanha. 

Exemplos. A auxiliar de financeiro Lilian Carla Cassila, de 54 anos, foi informada na entrada da UBS Humberto Pascale, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, de que a vacina da AstraZeneca estava em falta no fim da manhã desta quinta-feira. Moradora de Itaquaquecetuba, na região metropolitana, ela primeiro tentou tomar a segunda dose no município onde mora, mas não encontrou. Foi, então, para uma UBS na Vila Formosa, zona leste de São Paulo, onde o imunizante também estava em falta. Até parar na Barra Funda, sem conseguir a segunda dose. “Fiz uma viasacra”, reclamou.

A falta da vacina vai atrasar a imunização completa. “Para a gente que trabalha, é complicado ficar procurando”, disse ela, que desistiu de tomar a segunda dose nesta quinta porque precisava voltar ao serviço. Na UBS Humberto Pascale era grande o movimento de pessoas que buscavam a AstraZeneca, mas tinham de dar meiavolta. O autônomo Douglas Rodrigues, de 53 anos, chegou a ir a uma UBS em Santana, na zona norte, onde mora, mas não encontrou a vacina. Lá, foi orientado a olhar pelo site do filômetro, da Prefeitura de São Paulo, para saber onde o imunizante da AstraZeneca estaria disponível. Apesar de o serviço indicar que havia a vacina na UBS da Barra Funda, quando Rodrigues chegou o imunizante já havia acabado. “Espero não perder a proteção (contra a covid-19)”, disse ele, que planejava voltar a procurar o imunizante hoje.

Na porta da UBS na Barra Funda, Marta Vilas Boas, de 53 anos, estava indignada com a escassez da vacina. Desde quarta-feira, ela procura a AstraZeneca em postos de São Paulo, mas não encontra. Disse já ter ido em cinco unidades, orientada pelo filômetro, sem conseguir completar a imunização. “Não tem em lugar nenhum. Isso é um descaso. Fui em vários postos”, criticava ela, enquanto esperava um Uber para deixar a UBS. A vacina acabou no posto por volta das 10 horas desta quinta-feira e, segundo funcionários, não havia previsão de reabastecimento.

Dados do Ministério da Saúde compilados pelo Estadão por meio da plataforma Base dos Dados mostram que 137 mil pessoas deveriam receber a segunda dose da vacina entre esta quinta-feira e a sexta. Esse é o número de vacinados com a primeira dose nos dias 17 e 18 de junho, há exatamente 12 semanas. Os números ainda não foram confirmados pela Secretaria Municipal de Saúde. As informações são oficiais e ofertadas pelo próprio ministério. No entanto, o preenchimento é de responsabilidade das gestões locais e é feito manualmente. Por isso, pode haver divergência entre os números encontrados pela reportagem. 

Estado. O desabastecimento de AstraZeneca já estava no radar de gestores estaduais e municipais e esse cenário se tornou mais factível com os atrasos na entrega do imunizante anunciados pela Fiocruz na semana passada (mais informações nesta página). A Secretaria Estadual de Saúde afirma que cobrou do governo federal o envio de 4 milhões de doses para suprir a demanda de setembro e outubro. O ofício, segundo o Estado, foi enviado no dia 2.

“Caso o governo federal não tenha disponibilidade de mais remessas da AstraZeneca, o Estado aguarda envio imediato do quantitativo da Pfizer para suprir esta demanda e concluir os esquemas em conformidade com a solução de intercambialidade indicada pelo próprio PNI (Programa Nacional de Imunizações) do Ministério da Saúde", pede a gestão estadual.

A Fiocruz informou que recebeu há uma semana mais um lote de Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) e “já estão asseguradas para este mês cerca de 15 milhões de vacinas”.

Em números

12,4 milhões

de dose 1 e 9,2 milhões da dose 2 da AstraZeneca foram entregues para São Paulo até agora, segundo o Ministério da Saúde. O Estado teria aplicado 13,99 milhões de dose 1 e 6,67 milhões de dose 2. A Secretaria Estadual de Saúde afirma ter cobrado do governo federal o envio de 4 milhões de doses.