O Estado de S. Paulo, n. 46714, 10/09/2021. Internacional, p. A12

Apesar de afetada pelo 11/ 9, nova geração contesta Guerra ao Terror

Thais Ferraz


As imagens de aviões atingindo o World Trade Center marcaram o 11 de Setembro. Toda uma geração, porém, só foi conhecê-las na escola. Esses jovens, hoje vítimas de outras tragédias – como ataques a tiros e a covid – têm uma relação distante com os atentados. Embora o episódio tenha mudado o mundo, a promessa de “nunca esquecê-lo” ganha outro significado para quem não se lembra do horror de 20 anos atrás.

Em 2019, o Center for American Progress realizou uma pesquisa com jovens da Geração Z (nascidos a partir de 1997), que indicou que 70% deles concordavam com a frase: “As guerras no Oriente Médio e no Afeganistão foram uma perda de tempo, vidas e dinheiro e não fizeram nada para nos tornar mais seguros”.

É possível que parte dessa resistência venha das próprias consequências da Guerra ao Terror, ligada a uma onda de crimes de ódio anti-islâmico, uma conta de US$ 2 trilhões e a morte de 400 mil pessoas, no Iraque, e US$ 2,3 trilhões e 40 mil mortos, no Afeganistão – incluindo 6,2 mil americanos.

O fortalecimento da xenofobia é uma das críticas feitas pela estudante Paige Anders, de Redding, na Pensilvânia, nascida dois meses após os atentados. “Para muitos, a Guerra ao Terror tornou-se sinônimo de ‘guerra contra muçulmanos’. O 11 de Setembro não afetou diretamente minha vida, mas me despertou para o preconceito injusto, o racismo e a islamofobia”, disse.

Anders conta que aprendeu sobre a data na escola. “Muitos colégios fazem um momento de silêncio no aniversário do evento”, afirmou. “Sentia tristeza e uma sensação de espanto e horror com a magnitude da destruição.” Apesar disso, ela diz que o episódio nunca foi abordado com profundidade no colégio. “Parecia ser algo de conhecimento comum – a única coisa que realmente fazíamos era um momento de silêncio.”

Não surpreende, portanto, que a Geração Z – exposta ao 11 de Setembro por meio de documentários, cultura pop, histórias familiares, jornais e redes sociais – tenha uma visão crítica dos ataques. “Estou ciente do 11 de Setembro desde sempre. Mas, para mim, parece apenas mais um incidente histórico. Não me impressiona emocionalmente da mesma forma que acontece com as pessoas que viveram para testemunhar isso”, contou o estudante Will Vargo, de St. Louis, nascido em 2002.

Apesar disso, segundo ele, os acontecimentos moldaram o mundo em que cresceu. “A Guerra ao Terror durou toda a minha vida. Tudo o que sei e entendo são os conflitos internacionais, medidas de segurança e todas as outras políticas que surgiram a partir do 11 de Setembro. Nunca fui capaz de ver um mundo sem eles e, provavelmente, nunca verei.”

Impactos. Dados do Pew Research Center, de 2020, indicam que, como Vargo, 25% da população americana nasceu após os atentados. Apesar disso, cresceu em um mundo transformado: da segurança em aeroportos às mudanças na política de imigração, passando pela militarização da polícia, o fortalecimento de uma ultradireita xenofóbica e a hipervigilância, que hoje é usada até mesmo para identificar ativistas do Black Lives Matter.

Para o professor David Kieran, do Washington & Jefferson College, o impacto do 11 de Setembro na vida desses jovens não é homogêneo. “Para muitos, isso significou crescer em mundo em que a possibilidade de outro atentado, ou a ideia de terrorismo, estava presente. Portanto, em um clima de medo e ansiedade”, afirmou.

“Há também crianças em famílias de militares deslocados para Iraque e Afeganistão, que lidaram com pais ausentes. E, claro, houve filhos daqueles que morreram ou foram feridos no 11 de Setembro e nas guerras subsequentes, e tiveram de conviver com os desafios inerentes a essas perdas.”

Muitos jovens tiveram contato com o 11 de Setembro nas aulas de história. Nascida em Cabo Verde, a estudante Kiara Batista, de 21 anos, chegou aos EUA aos 6, e foi na escola americana que aprendeu sobre o episódio. “Fiquei emocionada e quis saber mais sobre a Guerra ao Terror”, lembra.

Aos 13 anos, moradora de Boston, ela visitou com a escola o 9/11 Memorial & Museum, em Nova York. “Vi os vídeos do 11 de Setembro nas aulas de história e no museu”, contou. “Achei espantoso. Hoje, apesar dos arrepios, me sinto um pouco dessensibilizada.”

O distanciamento natural do 11 de Setembro também acirra o debate em torno de como ensiná-lo nas escolas. Por enquanto, não há uma diretriz nacional sobre como o tópico deve ser abordado. Assim, as aulas variam de acordo com o distrito ou o professor.

Em 2018, Jeremy Stoddard, em um estudo para a Universidade de Wisconsin, concluiu que o método mais popular de ensino era a exibição de documentários, seguido pela discussão de eventos atuais relacionados e pelo compartilhamento de histórias pessoais.

A pesquisa identificou um foco na memorialização e no heroísmo, e uma carência de detalhes específicos, de contexto e de “justificativas” para os eventos posteriores, como a invasão ao Iraque e a detenção de combatentes em Guantánamo – uma queixa recorrente dos estudantes.

Críticas. Outro ponto que contribui para o afastamento da Geração Z do 11 de Setembro é o fato de os jovens de hoje terem crescido com suas próprias tragédias. Para citar algumas, eles foram vítimas de muitos dos ataques a tiros mais mortais da história americana, cresceram em meio à crise de 2008, às mudanças climáticas e agora enfrentam a pandemia.

Ainda não há estudos relevantes com as opiniões da Geração Z sobre a Guerra ao Terror – como há com os millenials (nascidos entre 1981 e 1996) –, mas os três jovens americanos entrevistados pela reportagem do Estadão se posicionaram contra a ocupação de países no Oriente Médio.

Para John Lewis, de 21 anos, morador de Utah, o 11 de Setembro foi assustador, mas não justifica a invasão americana. “Não gosto da Guerra ao Terror por princípio. Na minha opinião, os EUA estavam usando isso como desculpa para continuar gastando quantias ridículas de dinheiro com os militares”, afirmou. “Não havia nenhuma razão real para ficar lá para sempre.”

Para Kiara Batista, a Guerra ao Terror cobrou um “preço muito alto”. “O 11 de Setembro foi muito violento, mas não acho que a violência se acaba com mais violência. A Guerra ao Terror precisa terminar porque já criou mais desastres e tragédias que o 11 de Setembro”, afirmou.

“Que justificativa há para submeter à morte e à destruição tantas pessoas inocentes naquela parte do mundo? Qual é a justificativa para fazer parte da causa de grandes distúrbios políticos e sociais?”, questiona a estudante Paige Anders. “Talvez os EUA não devessem estar no Afeganistão, para começo de conversa. Mas agora parece que o sofrimento afegão está nas mãos dos líderes americanos.”

Reação

"Estou ciente do 11 de Setembro desde que me lembro. Mas, para mim, parecia apenas mais um incidente histórico. Não me impressiona emocionalmente da mesma forma que acontece com as pessoas que viveram para testemunhar isso"

Will Vargo

Estudante de St. Louis, nascido em 2002