O Estado de São Paulo, n. 46749, 15/10/2021. Economia p.B4
Para evitar perda bilionária, governadores articulam ação conjunta contra projeto de tributação dos combustíveis aprovado na Câmara
Adriana Fernandes
Anne Warth
Revoltados com a aprovação na Câmara do projeto que altera o ICMS cobrado sobre os combustíveis, os Estados buscam uma ação conjunta para barrar a mudança que tem potencial para retirar R$ 24 bilhões dos cofres dos governadores. Eles já antecipam uma disputa jurídica no Supremo Tribunal Federal (STF) caso o projeto seja aprovado também no Senado.
Em reunião no Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz), ontem, os secretários, com o consenso na avaliação de que o projeto é inconstitucional, combinaram pedir ajuda ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Cada secretário vai avaliar a posição de sua bancada para articular apoio. A estratégia em discussão mais provável é congelar o preço de referência para a cobrança do ICMS até o final do ano para ter tempo de aprofundar a discussão no Senado. Hoje, a frequência de atualização do preço é de 15 dias, o que retroalimenta a alta dos preços ao consumidor.
"Os secretários convergiram na ação de trabalhar para sensibilizar e persuadir os senadores do equívoco que é o projeto aprovado na Câmara e pedir a não aprovação do mesmo, já que não resolve o problema do preço dos combustíveis", disse o diretor institucional do Comsefaz, André Horta.
A maioria dos Estados estava inflexível ao congelamento proposto por Maranhão e Minas Gerais, mas o quadro mudou com a pressão colocada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que numa votação relâmpago na noite de quarta-feira passou como um trator sobre os governadores e conseguiu aprovar o projeto com 392 votos a favor e apenas 71 contrários. Lira comprou a campanha do presidente Jair Bolsonaro de colocar a culpa nos Estados pela alta dos preços.
O projeto, porém, é considerado inconstitucional pelos Estados por interferir na sua autonomia de legislar sobre o seu próprio tributo, além de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que exige medidas compensatórias para renúncias de receitas. Os governos regionais consideram que a aprovação do projeto foi uma resposta política, e não econômica, que não resolverá o problema dos preços elevados dos combustíveis.
"Com o orçamento das emendas parlamentares, o Congresso fica com poder gigantesco, e não mais interlocução técnica", criticou o secretário de Fazenda de Alagoas, George Santoro, que na última reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), depois de um clima tenso, pediu vistas à proposta do Maranhão e de Minas Gerais de congelamento do preço de referência.
O secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, Marco Aurélio Cardoso, diz que o projeto faz uma distorção enorme em cima da cobrança do ICMS, um imposto já com muita judicialização. "Temos vários procuradores e juristas que dizem que ele é inconstitucional e não ataca o fator que causa o aumento do imposto", afirmou. Ele lembrou que a zeragem do PIS/Cofins pelo governo federal durante alguns meses não impediu a alta dos preços.
Se aprovado pelo Senado, as assembleias legislativas terão que aprovar a regulamentação da medida e mudar os projetos de orçamento dos Estados já enviados, processo que pode demorar mais de um mês. Como a medida tem apelo popular, essa regulamentação não é considerada um empecilho pelo comando da Câmara. Por isso, os governadores estão pisando em ovos com o tema.
O presidente do Senado condicionou a "boa vontade" com a mudança na cobrança do ICMS a uma avaliação efetiva do impacto no preço dos combustíveis. "É algo que interfere ali no dia a dia e na previsibilidade do orçamento dos Estados. Vamos considerar essas informações, vamos permitir esse diálogo", disse Pacheco.
Minas Gerais, o Estado do presidente do Senado, informou ao Estadão que, caso confirmada a mudança, perderá R$ 3,6 bilhões por ano em arrecadação de ICMS dos combustíveis. A redução também terá impacto direto nos cofres dos 853 municípios mineiros, uma vez que 25% (R$ 900 milhões) são destinados às prefeituras.
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Eduardo Fleury, economista, advogado tributarista e consultor
1. Como o sr. avalia o projeto aprovado na Câmara que altera a tributação do ICMS sobre combustíveis?
É bem questionável porque, ao regulamentar a base de cálculo, está limitando a tributação em valor. É quase uma remarcação de preços. É bastante questionável no Supremo Tribunal Federal (STF). É uma invasão de competência total. E está tirando arrecadação não só dos Estados, 25% disso são dos municípios. Está comprando briga com todo mundo. A Câmara utilizou no projeto dispositivo que diz que uma lei complementar pode regulamentar uma substituição tributária. Mas é lógico que esse dispositivo é limitado. Não se pode limitar a competência dos Estados e determinar qual será a base de cálculo para limitar a tributação. Falar: 'Ah, vai ser o preço dos últimos dois anos'. Isso vai ser fartamente utilizado para ir ao STF. Mas, nesse momento, tem uma questão política de pressionar para reduzir o imposto, o preço dos combustíveis. O cálculo que eles estão fazendo é possível. Vai dar uma redução de 7%, 8%.
2. O projeto dá um drible no Conselho Nacional de Política Fazendária?
Faz um drible. Mas tem outro problema. A lei complementar faz uma norma geral, mas precisa de lei ordinária para regulamentar. Está escrito no texto: cabe aos Estados definir a alíquota fixa. Ou seja, vai precisar de lei ordinária dos Estados para entrar em vigor. As Assembleias Legislativas vão ter de aprovar. Não é automático.
3. É uma lei para inglês ver, já que a decisão passa pelas Assembleias dos Estados?
Mas imagina qual será a situação dos Estados. Eles vão ter um instrumento na mão para reduzir o imposto e o preço da gasolina. É uma pressão sobre os Estados. E, politicamente, o presidente Bolsonaro vai falar: 'Olha, estou dando um instrumento para eles fazerem e não querem baixar, estão desrespeitando alei '. Vão colocar isso no colo dos Estados. Só que essa eventual redução para o ano que vem vai significar uma queda de receita importante para vários Estados.
4. É um xeque-mate nos Estados?
O presidente da Câmara, Arthur Lira, que acenou coma solução do problema, passou abo lapara os Estados?
Isso, e todo mundo votou a favor: 'Não resolvo nada, mas tiro do colo essa bomba'.