O Estado de S. Paulo, n. 46713, 09/09/2021. Economia & Negócios, p. B1

Como produzir crises e esconder problemas


O presidente Jair Bolsonaro se comporta como certos moluscos que lançam jatos de líquidos escuros na água para confundir e turvar a visão dos seus predadores.

Os inimigos reais do Brasil e do futuro político de Bolsonaro não são o Judiciário nem o voto eletrônico, como ele próprio apontou nos discursos de 7 de Setembro em Brasília e São Paulo. Como avisou ontem o presidente do Supremo, Luiz Fux, o inimigo de Bolsonaro é o desemprego que alcança 14,1% da população ativa; a gasolina perto dos R$ 7 por litro; o gás de cozinha que ultrapassa os R$ 100 por botijão; é a inflação anual se avizinhando dos dois dígitos – que ajuda a corroer o poder aquisitivo do consumidor; a puxada dos juros; é a cavalgada do dólar; o rombo fiscal que se alarga; a ameaça de apagão; e a população sendo dizimada pela covid-19. Contra esses inimigos, Bolsonaro se mantém em estado catatônico, eximese a combatê-los.

Mas, ao tentar confundir a população, Bolsonaro resvala para o crime de responsabilidade, como também denunciou Fux. Incita à desobediência das decisões judiciais, contesta matéria ultrapassada no Congresso, como a da proposta do voto impresso auditável, prega operações golpistas e o jogo autoritário.

A reação do presidente da Câmara, Arthur Lira, às tentativas de Bolsonaro de criar o caos foi flácida e pretensamente conciliatória. Limitou-se a avisar que a questão do voto impresso é página virada, que não mais admite contestação. Mas Lira não condenou os ataques ao Supremo nem a grave incitação à desobediência a suas sentenças. Não anunciou providências para coibir os crimes de responsabilidade em que o presidente vem incidindo. Quando avisou que os conflitos seriam resolvidos no dia 3 de outubro de 2022, apenas se recusou a participar do jogo golpista. Mas, ao mesmo tempo, deixou claro que não apoia o processo de impeachment contra Bolsonaro.

Ao apresentar-se como intermediário para a retomada do diálogo entre Poderes em conflito, Lira pareceu desconsiderar que o Legislativo também está sendo atacado pelo presidente, tanto pelo discurso golpista como pelo desrespeito à sua decisão em relação ao voto impresso. E ignorou o fato de que Bolsonaro não se mostra disposto a dialogar nem a aceitar as regras do jogo democrático. Ao contrário, ele quer a perpetuação do conflito e a destruição do processo eleitoral.

No pronunciamento desta quarta-feira, Fux advertiu que a atitude de Bolsonaro pode configurar crime de responsabilidade que precisa ser examinado pelo Congresso. E pediu mais contundência do presidente da Câmara.

À parte as crises institucional e política, sobram, como acima mencionado, os graves problemas de política econômica e sanitária a resolver. Mas, nesses campos, Bolsonaro se mantém desinteressado. Não se vê em seu governo nenhum empenho sério em atacá-los. Está aí a crise hídrica em fase de agravamento, enfrentada até agora apenas com aumento da conta de luz e com apelos inconsequentes à redução de consumo de energia. No mais, há os jatos de tinta escura lançados na água pela criatura que se vê ameaçada. 

Impacto na Bolsa e no câmbio

O tombo da Bolsa e a disparada do dólar, como mostram os gráficos, foram a reação do mercado financeiro aos pronunciamentos irresponsáveis do presidente Bolsonaro no 7 de Setembro, que tentaram empurrar as relações políticas para o caos e para a insegurança jurídica. São o recado de que esse jogo é muito prejudicial aos investimentos e à criação de empregos. Quando mais bem assimilada a reação dura do presidente do STF, Luiz Fux, essa demonstração de medo do mercado tenderá a se inverter.

Comentarista de Economia