Correio Braziliense, n. 21589, 26/04/2022. Política, p. 3

Desobediência anunciada

Deborah Hana Cardoso


O presidente Jair Bolsonaro (PL) deixou claro que não dará trégua na guerra aberta contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele voltou a questionar as urnas eletrônicas e indicou que pode desrespeitar o novo marco temporal das terras indígenas se aprovado no STF — a medida pode ampliar o território dos povos originários.

“Vocês sabem que, dentro do Supremo, tem uma ação que está sendo levada adiante pelo ministro (Edson) Fachin (do STF) querendo um novo marco temporal. Se ele conseguir vitória, me restam duas coisas: entregar a chave para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativa”, afirmou, na abertura da Agrishow, feira de tecnologia voltada ao agronegócio, em Ribeirão Preto (SP).

Bolsonaro sugeriu que os ministros do STF disputem a Presidência da República para governar o país e acrescentou que eles poderiam ir para a terceira via. “O que nós queremos dos Poderes no Brasil? É que olhem para o Brasil e não olhem para o poder. Cada um, de cada Poder, se quiser disputar a presidência, está aberto. Tem vaga aí, vários partidos oferecendo vaga. Quem sabe essa pessoa seja a terceira via e vai negociar na base da paz e amor com o mundo todo”, ironizou.

O chefe do Executivo enfatizou que o indulto concedido ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), após a condenação dele pelo STF, é “constitucional” e será cumprido. Segundo ele, o parlamentar é inocente. “Artigo 53 da Constituição não garante que os deputados podem falar o que bem entender? É inviolável?”, questionou. “No passado, soltavam bandidos e ninguém falava nada.”

De acordo com Bolsonaro, “se tivesse alguém lá (no STF) com tanta preocupação com corrupção, como tem com fake news, ajudaria muito o Brasil a estar em situação bem melhor”.

“Dica”

Em tom de campanha, ele disse que jamais esperava ser presidente. “Missão de Deus, e a Ele agradeço”, destacou. “Só Deus me tira daquela cadeira”, acrescentou, sob aplausos.

Ele também “orientou” os presentes ao evento sobre como escolher parlamentares no pleito de outubro. A “dica” que deu foi que cada eleitor procurasse saber qual foi o posicionamento de deputados durante a votação, no plenário, em agosto de 2021, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19 sobre o voto impresso. “Veja como ele (deputado) votou a PEC do voto impresso. Parlamentares de esquerda do PT, PCdoB, PSol confiam 100% (na urna eletrônica), é impressionante”, criticou. “Do nosso lado, também tem gente que confia, por pressão do presidente ou líderes do partido.”

Bolsonaro também reprovou a atitude de deputados favoráveis à urgência da avaliação do projeto de lei das fake news — proposta sob relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). “Foi votada a urgência da PL das fake news, atendendo ao (Luís Roberto) Barroso, (Edson) Fachin e ao Alexandre de Moraes”, afirmou, numa menção a ministros que se revezam na direção do TSE. “Esses caras (parlamentares) que votaram a urgência querem censurar as mídias sociais, a mídia de verdade.”