O Estado de São Paulo, n. 46748, 14/10/2021. Política p.A8

 

Davi Alcolumbre diz não aceitar 'ameaças'

 

Senador, presidente da CCJ e responsável por travar a indicação de André Mendonça para o Supremo, reage à pressão de Bolsonaro

Daniel Weterman


Cobrado publicamente a marcar a sabatina de André Mendonça, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), reagiu ontem ao afirmar que não aceitará "ameaças" e que não está negociando favores políticos em troca.

A indicação está parada no colegiado desde 18 de agosto. Mendonça, ex-ministro da Justiça e da Advocacia-geral da União, foi escolhido por Bolsonaro para a Corte após a promessa do chefe do Planalto de emplacar um ministro "terrivelmente evangélico" na vaga aberta com a aposentadoria de Marco Aurélio Mello. Para ser confirmado no cargo, Mendonça precisa ser sabatinado na CCJ e aprovado por, no mínimo, 41 senadores entre os 81 titulares do Senado.

Com a demora, porém, Bolsonaro passou a ser pressionado por líderes evangélicos e cobrou de Alcolumbre "ajudas" que teria dado ao senador no passado. Eleito presidente do Senado em 2019 com apoio do Planalto, o parlamentar foi responsável por articular a distribuição de verbas federais na Casa e chegou a ser cotado como ministro do governo.

"Três meses lá no forno o nome do André Mendonça. Quem não está permitindo é o Alcolumbre, uma pessoa que eu ajudei na eleição dele. Depois pediu apoio para eleger o Pacheco, e eu ajudei. Teve tudo que foi possível durante dois anos comigo. De repente ele não quer o André Mendonça", disse Bolsonaro no domingo, citando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

A cobrança não foi bem recebida pelo ex-aliado, que divulgou uma dura nota em defesa de sua autonomia para definir quando vai escrutinar o escolhido de Bolsonaro para o STF. "Não aceitarei ser ameaçado, intimidado, perseguido ou chantageado com o aval ou a participação de quem quer que seja", disse o presidente da CCJ. "Tenho sofrido agressões de toda ordem. Agridem minha religião, acusam-me de intolerância religiosa, atacam minha família, acusam-me de interesses pessoais fantasiosos. Querem transformar a legítima autonomia do presidente da CCJ em ato político e guerra religiosa", completou Alcolumbre, que é judeu.

Bolsonaro voltou a defender Mendonça no Supremo, ontem. "Se Eldorado (cidade da região onde Bolsonaro morou) deu um presidente, Miracatu terá um ministro no Supremo", disse. Mendonça morou na cidade e tem familiares no município.

Rompimento. A relação de Alcolumbre com o Planalto azedou após ele perder a influência sobre a distribuição de verbas no Senado. Ele também tem usado esse tema para dar um "troco" após ver seu irmão perder a eleição para prefeito de Macapá por causa da demora do governo em resolver um "apagão" no Estado, no fim de 2020. Apesar da resistência a Mendonça, Bolsonaro tem dito que não pretende mudar sua escolha. Nos bastidores, o nome mais cotado para, eventualmente, substituir o EX-AGU é o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Ontem, após senadores tentarem manobra para levar a sabatina diretamente ao plenário, tirando a decisão de Alcolumbre, Pacheco disse que a questão será resolvida "em breve". "Esta presidência está buscando a solução deste impasse", afirmou ele após ser cobrado pelo senador Esperidião Amin (Progressistas-sc), aliado de Bolsonaro.