O Estado de São Paulo, n. 46747, 13/10/2021. Política p.A7

 

Em Aparecida, Bolsonaro ouve críticas a condutas de seu governo

 

Pátria amada não pode ser pátria armada, diz arcebispo

 

José Maria Tomazela

ENVIADO ESPECIAL / APARECIDA

 

Depois de ouvir críticas sobre a liberação de armas e a condução da pandemia por seu governo nas celebrações do Dia da Padroeira, o presidente Jair Bolsonaro tirou a máscara e causou aglomeração, ontem, no Santuário Nacional de Aparecida. Ele, que já tinha provocado um grande ajuntamento de pessoas na chegada, desfilou com o corpo fora do carro quando saiu do santuário. Parte do grupo que se espremia nas cercas de segurança o chamou de "mito", enquanto um coro menor gritava "lixo" e "genocida". Um chinelo foi arremessado do meio do público, sem atingi-lo.

Bolsonaro assistiu à missa da tarde na companhia dos ministros Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia e Inovações) e João Roma (Cidadania). Na homilia, à frente do presidente, o padre José Ulysses da Silva, porta-voz do santuário, fez uma referência indireta à postura armamentista do governo. "Se conseguíssemos abraçar a proposta de Jesus, nós seríamos um povo mais desarmado e fraterno", afirmou.

Citando um trecho do evangelho lido por Bolsonaro durante a celebração, o religioso lamentou os mortos pela covid e disse que "a vida é um valor que deve prevalecer sobre todo e qualquer outro valor, sobre nossos interesses políticos, econômicos e até religiosos". Desde o início da pandemia, o presidente tem se posicionado contra medidas de isolamento social, alegando prejuízo econômico.

As declarações do padre ecoaram a homilia do arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes. De manhã, na principal missa do dia, ele já havia dito que o Brasil, "para ser pátria amada, não pode ser pátria armada".

Na cerimônia da tarde, Bolsonaro comungou e participou do ritual de consagração à Nossa Senhora Aparecida. Importante para os católicos e devotos da santa, o ritual não é aceito pelos evangélicos, que compõem importante base de apoio ao presidente. Durante a missa, Bolsonaro e seus ministros usaram máscaras, embora a direção do santuário já tivesse decidido permitir a participação presidencial mesmo sem a proteção. Antes da missa, o presidente se reuniu com o padre Carlos Eduardo Catalfo, reitor do santuário, e Dom Orlando, que presidiu a celebração.

Além de criticar a política de liberação do uso de armas do governo, Dom Orlando também se referiu ao viés negacionista de Bolsonaro, defendendo a vacina e a ciência. Ele também pediu uma pátria "sem ódio, uma república sem mentiras, sem fake news".

O arcebispo lembrou que o Brasil está enlutado pelas mais de 600 mil mortes na pandemia e cobrou a preservação da Amazônia. Citando a visita do Papa Francisco ao País, em 2013, também pediu um abraço aos índios, aos negros, às crianças, aos pobres e às "nossas autoridades, para que, juntos, construamos o Brasil Pátria Amada. E para ser pátria amada não pode ser pátria armada". Questionado depois se referia-se a Bolsonaro, disse que a mensagem se dirigia a todos os brasileiros. "Devemos respeitar as autoridades, mesmo discordando."

Mais de 70 mil pessoas estiveram no santuário ontem. Após a visita, o presidente voltou ao Forte dos Andradas, no Guarujá, onde passou o feriado prolongado. Antes de retornar a Brasília, hoje, ele entrega títulos de regularização fundiária em Miracatu (SP).