O Globo, n. 32728, 16/03/2023. Política, p. 4

Gestos à caserna

Sérgio Roxo
Jeniffer Gularte
Geralda Doca


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a rodada de acenos aos militares após a crise que abalou as relações entre a caserna e o Palácio do Planalto no começo do ano, com os atos golpistas de 8 de janeiro. Além de ter escalado seu vice, Geraldo Alckmin, para coletar as prioridades de investimentos de cada uma das Forças, ele almoçou ontem com oficiais da Marinha. Nas próximas semanas, o petista visitará o programa de desenvolvimento de submarinos (Prosub), no Rio, e, provavelmente, irá à cerimônia de inauguração da linha de produção de caças, em São Paulo. Em outra frente, deverá prestigiar formaturas de futuros oficiais, como fazia o ex-presidente Jair Bolsonaro para se aproximar dos quarteis.

Lula avalia que, passado o período de desentendimentos com os militares, inclusive com reprimendas públicas, é a hora de reconstruir pontes. O presidente busca vencer as resistências com a sinalização de que seu governo fará investimentos no Exército, na Marinha e na Aeronáutica.

Ontem, Alckmin recebeu o comandante do Exército, Tomás Paiva, e o chefe do Estado-Maior da Força, general Valério Stumpf. Em uma hora de conversa, os oficiais apresentaram alguns dos seus projetos prioritários. Na quarta-feira, o vice, que também comanda o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, se reunirá com o comando da Aeronáutica e, nos próximos dias, o da Marinha.

Desfiliação de partidos

Os gestos não têm partido somente do governo. A Marinha emitiu um comunicado em que estabeleceu prazo de 90 dias para que militares da ativa cumpram a Constituição e se desfiliem de partidos políticos, sob pena de punição. A mensagem foi enviada em um Boletim de Ordens e Notícias (Bono) após a Força identificar quadros da ativa filiados a agremiações políticas, o que é vedado pela legislação. A iniciativa ocorre no momento em que o Ministério da Defesa trabalha para apresentar uma proposta que dificulte o ingresso de militares na política. O texto, ainda em fase de elaboração, os obriga a se desvincular de suas Forças ou a migrar para a reserva, a depender do caso, se quiserem disputar eleições ou assumir ministérios. O projeto ainda precisaria do aval do Congresso para entrar em vigor.

O presidente e seus principais auxiliares creem que a manutenção de um bom ambiente com os militares dependerá de um cultivo permanente da relação. O ministro da Defesa, José Múcio, encarregado pelo petista de fazer a interlocução com a caserna, costuma lembrar aos colegas de governo e a Lula que, independentemente do resultado da eleição, a grande maioria dos integrantes das Forças têm e continuará tendo mais simpatia por Bolsonaro e outros políticos conservadores.

Autoridades do primeiro escalão estão convictos de que o principal foco de atenção de Lula para botar de pé uma política de boa vizinhança deve ser os detentores de patentes mais baixas, o chamado “chão da fábrica” dos quarteis. Aliados acreditam que, embora o petista também não seja o favorito nas cúpulas das Forças, os integrantes do alto escalão tendem a agir com mais frieza e moderação. Reflexo desse cenário, autoridades do Ministério da Defesa garantem que Lula escolherá algumas formaturas militares para prestigiar. Esse tipo de compromisso era frequente nas agendas de Bolsonaro quando ele estava no no Palácio do Planalto.

Já a participação de Lula nos eventos dos caças e dos submarinos foi acertada em uma reunião de Múcio com o presidente no começo do mês. Em ambos os casos, além do movimento diplomático, o presidente poderá capitalizar politicamente a sua presença. Os dois programas começaram nos governos petistas. O Prosub foi criado em 2008, durante a segunda gestão de Lula, a partir de uma parceria entre o Brasil e a França para a produção de quatro submarinos convencionais, assim como a fabricação do primeiro submarino brasileiro convencionalmente armado com propulsão nuclear. Já o contrato para a compra dos Gripen, fabricado pela sueca Saab, foi assinado durante o governo Dilma Roussef, em 2014. O acordo consiste na compra de 36 caças para a renovação da frota da Força Aérea Brasileira (FAB).

O almoço de Lula com almirantes ontem foi visto como mais um passo para a aproximação. O presidente ficou reunido com os militares da Força e José Múcio por cerca de três horas. Assim como fez Alckmin, ele ouviu pedidos de investimentos estratégicos, por exemplo, no programa de fragata e submarino e na pesquisa com enriquecimento de urânio. Depois da apresentação, Lula foi a um almoço informal e demonstrou estar à vontade entre os militares, segundo participantes ouvidos pelo GLOBO. O petista voltou a falar que investirá na área de Defesa.

Detentores de altas patentes das três Forças têm feito acenos a ministros de Lula. O comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Marcelo Kanitz Damasceno, recebeu ontem também o ministro de Portos e Aeroportos, Marcio França, para tratar de assuntos em comum.

Auge da crise

A relação de desconfiança entre Lula e os militares perdura desde a transição. O momento mais tenso, contudo, teve início nos ataques golpistas de 8 de janeiro. Nos dias subsequentes, o presidente foi a público dizer que as áreas de inteligência das Forças haviam falhado. Ele também afirmou ter certeza de que as portas do Planalto haviam sido abertas aos invasores. A segurança do Palácio é feita por militares. O ápice da crise se deu no fim de janeiro, quando Lula decidiu pela troca de comando do Exército. Por ordem do presidente, o ministro da Defesa demitiu o então comandante, general Júlio César de Arruda, alegando quebra de confiança. O posto passou a ser ocupado pelo general Tomás, que ganhou notoriedade após um vídeo no qual ele pregava à tropa a necessidade de respeitar o resultado das urnas viralizar nas redes e em grupos.