O Estado de S. Paulo, n. 46713, 09/09/2021. Política, p. A12

Análise: Ao abrir o cofre para o Centrão, Bolsonaro criou blindagem

Marcelo de Moraes


Um dia após os discursos antidemocráticos de Jair Bolsonaro, o fantasma do impeachment voltou a assombrar o governo. Mas, se é inegável que o clima político piorou muito, também é pública e notória a dificuldade para se conseguir os votos necessários para aprovar um impeachment. A razão é simples: para se blindar, Bolsonaro entregou a chave do cofre do Orçamento aos principais líderes do Centrão em troca, justamente, de proteção política.

Com essas liberações milionárias, os partidos do Centrão nunca tiveram tanta fartura de recursos. Parlamentares do grupo também receberam o comando de ministérios, ampliando sua força política. Com esse poderio, pavimentam projetos eleitorais e perdem o interesse em fazer qualquer gesto que possa ameaçar essa situação. É isso que tem impedido que movimentos de impeachment prosperem no Congresso. Até porque esse grupo desconfia que a saída de Bolsonaro pode secar as fontes de recursos.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem exercido papel central nessa ponte entre Congresso e governo e no controle da agenda do impeachment. Lira tem sido aliado fiel de Bolsonaro e colhido generosos frutos políticos com essa aliança. Para mudar de papel, a pressão precisará ser muito forte. Não foi à toa que o pronunciamento do deputado, ontem, foi repleto de palavras duras, mas sem qualquer aceno de providência prática. Além disso, mesmo se beneficiando da liberação de recursos, os parlamentares do Centrão têm um histórico de abandonar o barco quando sentem que ele está afundando. Foi assim com a petista Dilma Rousseff, que sofreu o impeachment tendo votos de partidos que ocupavam ministérios de seu governo até poucos meses antes.

Bolsonaro buscou sua blindagem política no ano passado, quando intensificou o movimento de concessão de cargos e recursos para o Centrão porque já temia ser alvo de impeachment por negligência na pandemia. Antes disso, em 2019, o desrespeito de Bolsonaro à democracia já era visto como possível de motivar impeachment. Na ocasião, o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não aceitou abrir processo por achar que não havia apoio político. E existia o temor de que isso travasse a agenda das reformas.

Hoje, com o ambiente político azedando de vez, já há prejuízo para a continuação da discussão das reformas tributária e administrativa, e de outros temas importantes para a retomada do crescimento. Mas, nesse momento, Bolsonaro se preocupa apenas com seu objetivo de reeleição, seja atuando dentro ou fora das quatro linhas da Constituição.