O Estado de S. Paulo, n. 46712, 08/09/2021. Política, p. A14

Análise: O extremismo estratégico para inviabilizar a eleição

Isabela Kalil


Ao realizar pesquisas etnográficas com apoiadores de Jair Bolsonaro em manifestações, entre 2016 e 2019, identificamos 16 perfis de eleitores, todos atravessados pela ideia de “cidadão de bem”. A noção de “cidadão de bem”, amplamente explorada na campanha presidencial, atraiu potenciais eleitores a partir do repúdio à corrupção, seja moral ou política.

Bolsonaro passou a dispensar o apoio dos segmentos mais moderados, se afastando do “cidadão de bem” para se aproximar do “patriota”. O “patriota” é aquele capaz de “dar a vida pelo País”. São os apoiadores mais radicais que consideram para si desfechos como matar, morrer ou mesmo ser preso, seja em nome da “pátria”, da “liberdade” ou daquele que consideram um “mito”.

Pesquisas mais recentes identificam os atos de 7 de Setembro como o ápice das manifestações dos “patriotas” e como a continuidade de um processo iniciado com as manifestações antidemocráticas, em 15 de março de 2020. Bolsonaro vem testando e aperfeiçoando nas ruas e nas redes um “extremismo estratégico”.

Em 18 meses, foram ao menos 18 atos e manifestações em diferentes capitais, sem contar eventos de menor proporção. A cada manifestação, os “patriotas” têm não apenas testado os limites da democracia, mas novas formas de insurgência no espaço público e no ambiente digital. O uso de motocicletas, caminhões, carretas, tanques de guerra e aeronaves são parte dessa tecnologia que conta ainda com o aperfeiçoamento de estratégias de comunicação digital. Bolsonaro conseguiu os votos necessários para vencer as eleições apelando para o “cidadão de bem”. Com o “patriota”, ele avança em sua ameaça de inviabilizar o processo eleitoral.

É Doutora em Antropologia e Professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de SP