O Globo, n. 32726, 14/03/2023. Política, p. 10

Bolsonaro recua e decide entregar joias sauditas

Manoel Ventura
Geralda Doca


O ex-presidente Jair Bolsonaro pediu ontem ao Tribunal de Contas da União (TCU) para entregar à Corte as joias oferecidas pela Arábia Saudita que estão em sua posse. Os advogados do ex-titular do Planalto querem que as peças fiquem sob a guarda do TCU até que o destino final — o acervo privado ou o patrimônio da União —seja definido pela Corte de Contas.

O posicionamento representa uma inflexão, já que até o momento Bolsonaro e seu entorno vinham tratando os itens como “personalíssimos”, ou seja, pertencentes ao seu acervo pessoal.

“(Jair Bolsonaro) Vem formalmente requerer que os referidos bens sejam logo depositados neste Tribunal de Contas, nele permanecendo até a conclusão do presente feito, determinando-se para tanto, a designação de data e local para a sua apresentação”, afirma a defesa de Bolsonaro na petição.

Os advogados do ex-presidente ainda alegam que em momento algum Bolsonaro “pretendeu locupletar-se ou ter para si bens que pudessem, de qualquer forma, serem havidos como públicos”.

Os itens —um relógio, abotoaduras, um anel, uma caneta e um rosário —fazem parte de um segundo conjunto de presentes dados por autoridades sauditas a uma comitiva brasileira em 2021, liderada pelo ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque.

Quando o ex-ministro retornou ao Brasil, a Receita Federal confiscou um estojo de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões. Elas estavam com um assessor de Albuquerque e não haviam sido declaradas. Bolsonaro admitiu, na semana passada, ter ficado com o segundo presente, que entrou no país. O TCU já havia proibido o ex-presidente de vender ou utilizar esses itens.

A defesa disse ainda que Bolsonaro pode comparecer de forma espontânea à PF e ao TCU para prestar esclarecimentos. “Colocando-se, desde logo, à total disposição para atender a quaisquer determinações no interesse do esclarecimento da verdade real, especialmente sua oitiva”, afirma.

Desconforto na Corte

O ministro Augusto Nardes, do TCU, deve recuar da decisão, tomada na semana passada, por meio do qual ele autorizou Bolsonaro a permanecer como depositário do estojo com joias dadas por autoridades da Arábia Saudita. A permissão para que Bolsonaro permaneça com as peças causou desconforto entre os ministros da Corte, que eram favoráveis a uma determinação para que ele as devolvesse imediatamente.

O procurador do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado, entrou com recurso no próprio tribunal para que Bolsonaro entregue as peças. De acordo com interlocutores, Nardes deverá acatar pedido do procurador.

Por ser relator do processo que trata das joias no TCU, o ministro pode recuar de forma unilateral. A tendência, porém, é que a decisão dele seja submetida ao plenário.

A Polícia Federal instaurou um inquérito para investigar o caso das joias sauditas. O conjunto que hoje está com Bolsonaro foi entregue em outubro de 2021 a Bento Albuquerque e encaminhado à Presidência em 29 de novembro de 2022 por um assessor do Ministério de Minas e Energia.

Um recibo mostra que o expresidente Bolsonaro recebeu pessoalmente o segundo pacote de joias no Palácio da Alvorada. O documento foi assinado pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos às 15h50min do próprio dia 29 de novembro de 2022. Um dos tópicos do formulário questiona se o item foi visualizado pelo presidente. A resposta: “Sim”.