Correio Braziliense, n. 21586, 23/04/2022. Política, p. 3

Decreto divide especialistas

Raphael Felice
Deborah Hana
CardosoLuana Patriolino


​A iniciativa do presidente Jair Bolsonaro (PL) de conceder indulto ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) provocou um intenso debate no mundo jurídico e dividiu opiniões sobre a constitucionalidade do ato.

A concessão da graça está prevista na Constituição e é prerrogativa do chefe do Executivo, como consta do inciso 12º do artigo 84. Entretanto, há pontos de divergência no decreto assinado por Bolsonaro. O mais questionado diz respeito ao fato de o presidente ter concedido o perdão sem o caso de Silveira ter transitado em julgado, o que foi considerado ilegal por juristas.

“O que estou entendendo é que o processo de indulto não tem validade jurídica porque foi feito antes de uma decisão final sobre a condenação de Daniel Silveira. Neste momento, esse decreto não tem validade, só passa a gerar efeito depois de uma condenação definitiva. Agora, não gera efeito jurídico algum”, sustentou Pierpaolo Bottini, advogado e professor de direito da Universidade de São Paulo (USP).

O especialista ressaltou, ainda, que o decreto é inconstitucional porque afeta o equilíbrio entre os Poderes e beneficia quem “cometeu ato de ameaça contra cúpulas do Poder Judiciário”. 

Outro ponto debatido é se Bolsonaro infringiu o princípio da impessoalidade e da moralidade, pois a graça teria sido motivada por questões pessoais, uma vez que Silveira é aliado político do presidente.

Na avaliação de Ricardo Barretto, advogado e doutor em direito público pela Universidade de Brasília (UnB), o Supremo tem a prerrogativa de decidir sobre a constitucionalidade do decreto “pois a graça, a meu sentir, não possui autorização constitucional expressa”. “A graça tem previsão apenas no Código de Processo Penal, e o STF pode entender que essa norma, que é de 1941, não foi recepcionada pela Constituição de 1988”, complementou.

Já o advogado Mário Neto, do Instituto Fidúcia, disse que o indulto individual é legal e privativo do presidente e que a “possível interferência do STF se mostra violadora da harmonia e da independência dos Poderes definidos também pela Constituição”.

Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, o indulto individual é constitucional, mas ela levantou dúvidas sobre a recuperação dos direitos políticos de Silveira, o que deverá ser discutido pela Corte.

“No decreto, Bolsonaro extinguiu a pena de liberdade, tirou a multa e tirou, também, as penas restritivas de direito. Há correntes jurídicas que diriam que a graça extingue tudo, e Daniel ficaria elegível novamente. A ideia de Bolsonaro é essa, mas claro que isso é questionável”, disse a especialista.

Ainda segundo Chemin, “a Lei da Ficha Limpa prevê que, a partir do momento que uma pessoa é condenada por colegiado, ela se torna inelegível”, pois a graça não alcançaria indenizações de natureza civil. “Como inelegibilidade não tem nada a ver com penal, a tendência é de que se decida isso no STF”, acrescentou.

PGR

Uma das expectativas em relação ao caso é sobre a atitude que a Procuradoria-Geral da República (PGR) tomará diante do indulto. Foi o órgão que denunciou Silveira e pediu ao Supremo a punição dele. O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse à CNN, ontem, que “se manifestará no momento processual oportuno”.

De acordo com Roger Leal, professor de direito constitucional da USP, o PGR exerceu sua prerrogativa institucional ao denunciar a conduta do parlamentar quando a considerou “delituosa” e dessa forma “não há dever ou exigência que o obrigue a adotar providência ante o exercício pelo presidente da República do poder de graça ou de indulto que lhe compete constitucionalmente”. “Eventual impugnação judicial a ser movida pelo PGR somente será cabível caso seu titular entenda que a medida presidencial incorre em alguma ilicitude”, completou.

Camilo Onoda Caldas, advogado constitucionalista e diretor do Instituto Luiz Gama, explicou que há diferença entre a atuação da PGR no sentido de pedir a condenação e a posição em relação à graça concedida. “O que a PGR vai examinar, eventualmente, é se esse indulto individual da graça concedida ao presidente é ou não constitucional”, frisou.