O Globo, n. 32726, 14/03/2023. Opinião, p. 2

Vacina recém-aprovada contra a dengue deveria ser incluída no SUS



A aprovação, pela Anvisa, de uma nova vacina contra a dengue é um passo fundamental para o Brasil combater a doença, que há décadas fustiga a população e desafia autoridades sanitárias. Aplicada em duas doses, a Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda, protege contra os quatro tipos de dengue e, de acordo com a fabricante, tem eficácia de 80% para prevenir casos leves e de até 95% contra hospitalizações e mortes. O uso, recomendado para a faixa de 4 a 60 anos, já havia sido aprovado na União Europeia.

No ano passado o Brasil registrou 1.016 mortes por dengue, 316% acima de 2021 e o recorde desde o ressurgimento da doença nos anos 1980. Os casos em 2022 passaram de 1,4 milhão. A alta é explicada pela temperatura elevada, combinada às chuvas; pela pandemia, que prejudicou o combate a focos do mosquito transmissor da doença, o Aedes aegypti; e pela sazonalidade. Nada indica que neste ano a situação melhorará. De acordo com os números mais recentes, em janeiro e fevereiro houve aumento de 46% nos casos, em relação ao mesmo período de 2022.

Antes da Qdenga, a Anvisa já licenciara outra vacina, a Dengvaxia, do laboratório Sanofi. Mas ela não é usada em larga escala. Aplicada em três doses, é recomendada apenas para quem já foi infectado e esteja na faixa de 9 a 45 anos. Não está disponível no SUS, apenas em clínicas particulares. O Instituto Butantan, em São Paulo, também desenvolve sua vacina de dose única contra a dengue. Os estudos estão na fase 3, e a expectativa é que os resultados sejam submetidos à Anvisa até o ano que vem.

O importante agora é incorporar a nova vacina já aprovada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), para que possa ser oferecida gratuitamente no SUS. Segundo o Ministério da Saúde, antes ela terá de passar pelo crivo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). Espera-se que a burocracia não atrase sua chegada a quem precisa.

Um dos principais desafios no combate à dengue é que ele depende não só do Ministério da Saúde, de estados e de prefeituras, mas também da população. Em geral os focos do mosquito se concentram em residências ou áreas próximas e exigem ação constante. Nisso os três níveis de governo têm falhado. Por reduzir a circulação do vírus, a vacina ajudará a lidar com o desafio.

Convencer os brasileiros a tomar mais uma vacina é sempre difícil. Para isso existem campanhas de publicidade e outras estratégias. Nem todos precisarão tomá-la. De posse dos dados disponíveis sobre incidência, casos e mortes, as autoridades sanitárias definirão as prioridades.