O Estado de São Paulo, n. 46743, 09/10/2021. Metrópole p.A18

 

Governo federal corta 87% da verba área a área de ciência e tecnologia

 

Ministério da Economia diminuiu de R$ 690 milhões para R$ 89 milhões a complementação de recursos para o setor; entidades criticam e pressionam Congresso para reverter decisão, chegando a falar em 'questão de sobrevivência' para o País


Eduardo Rodrigues

 

O Ministério da Economia diminuiu em 87% o encaminhamento de verbas para o setor de ciência e tecnologia neste ano – a queda foi de R$ 690 milhões para R$ 89,8 milhões. Especialistas já temem que projetos de pesquisas em diferentes áreas, como a da saúde, possam ser afetados por falta de investimento.

Em sua decisão, o ministério alega que a proposta de orçamento para 2022 aumentará consideravelmente os recursos para projetos de pesquisa. O pedido de corte feito pela área econômica da gestão Jair Bolsonaro foi revelado pela colunista Míriam Leitão, do jornal O Globo. Em 25 de agosto, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei (PLN) 16, que abria um crédito suplementar de R$ 690 milhões para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações no orçamento deste ano.

Desse montante total, R$ 34,578 milhões iriam para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e os R$ 655,421 milhões restantes seriam destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) – que apoia os programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais. Em ofício assinado pelo ministro Paulo Guedes e enviado nesta quinta-feira à Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, o governo decidiu dividir os recursos que iriam integralmente para ciência e tecnologia com outros seis ministérios.

Na nova formatação, já aprovada pelos parlamentares, os recursos para projetos de ciência e tecnologia caíram de R$ 655,421 milhões para apenas R$ 7,222 milhões – ou seja, 1,10% da proposta original. De R$ 34,578 milhões para a produção de radiofármacos, o governo aumentou para R$ 82,577 milhões. A fabricação de remédios para câncer pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), conforme revelou o Estadão, chegou a parar em setembro por falta de recursos. Esses medicamentos atendem entre 1,5 milhão e 2 milhões de pessoas no País.

No ofício do Ministério da Economia desta semana, a pasta alega que outro projeto – o PLN18, que ainda tramita no Congresso – destina mais R$ 18 milhões ao FNDCT neste ano. A equipe de Guedes também argumenta que, dos R$ 104,7 milhões orçados para ações do fundo em 2021, apenas R$ 87,4 milhões foram empenhados até agora. "Para o ano de 2022, o Projeto de Lei Orçamentária Anual prevê a alocação total dos recursos do FNDCT em suas ações finalísticas, no montante de R$ 8,467 bilhões, sendo metade destinada às despesas primárias e metade às financeiras. No caso das despesas primárias, isso significa um acréscimo de R$ 3,723 bilhões, ou 729,9%, em relação ao PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2021", acrescentou o Ministério da Economia.

No fim das contas, o maior beneficiário das mudanças no PLN16 foi o Ministério do Desenvolvimento Regional, que vai receber R$ 252,2 milhões, seguido pela Agricultura e Pecuária com R$ 120 milhões, e pelo Ministério das Comunicações, com R$ 100 milhões. A Educação recebeu R$ 50 milhões e a pasta da Cidadania ficou com outros R$ 28 milhões. A solicitação da Economia foi negociada para atender a interesses de deputados e senadores, que pediram o deslocamento da verba para outras áreas, conforme apurou o Broadcast Político.

Repercussão. Entidades – entre elas a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Andifes, que reúne os reitores das universidades federais – reagiram à medida. Em nota, os acadêmicos fazem um apelo pela reversão do corte pelos parlamentares e dizem que "está em questão a sobrevivência da ciência e da inovação no País".

Segundo Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC e ex-ministro da Educação, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) é o mais afetado. "Principalmente nos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTS), que são projetos das universidades para desenvolver pesquisa nas áreas de saúde, engenharia, exatas em geral, humanas. O baque na área é muito grande."

 

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A própria economia é que perde com tesourada na ciência

LUIZ DAVIDOVICH, HELENA NADER, RENATO JANINE, RUBENS BELFORT JUNIOR


Há poucos meses, alertávamos que a ciência brasileira estava por um fio. Hoje, diante do criminoso corte quase total nas verbas que iriam para financiar pesquisas científicas, podemos dizer que ela acabou. O governo usou mais uma artimanha para bloquear recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, uma das principais fontes de verbas para a ciência e a tecnologia.

Estávamos esperançosos. Juntamente com as verbas para os radiofármacos, utilizados em exames e tratamento contra o câncer, o PNL 16 liberava, enfim, parte dos recursos do FNDCT. Eram R$ 655 milhões dos R$ 2,2 bilhões que já estavam previstos para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação este ano. Argumentou-se que a pasta de Ciência não utilizou os outros R$ 2,3 bilhões que já haviam sido liberados este ano, mas se omitiu que esses recursos são os reembolsáveis, ou seja, é uma parte do orçamento que serve apenas para dar crédito a empresas por projetos na área a juros altos e que voltam aos cofres públicos caso não utilizados.

Mesmo com o contingenciamento proibido por lei no início do ano, a Economia foi liberando recursos desse fundo a conta-gotas e tardiamente, para que o MCTI não tenha tempo hábil de executá-los até o fim do ano. Sobra dizer que esse dinheiro seria usado para recuperar parte da infraestrutura de laboratórios e equipamentos de grande porte perdidos com os sucessivos cortes de verbas, além de pesquisas de relevância, como as ligadas ao enfrentamento da pandemia. Até quando o Congresso vai tolerar isso e ignorar que a própria economia brasileira perde com a tesourada na ciência? É urgente, portanto, que o Senado reverta esse corte.

 

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Você está protegido

 

Fernando Reinach

 

Até agora você podia assumir que estava parcialmente protegido contra as formas sintomáticas da covid-19, caso você tivesse completado sua imunização com duas doses nas últimas duas semanas. Suas chances de ter a doença também é mais baixa se você já foi infectado pelo Sars-cov-2 e apresentado a doença no passado. Mas não existia uma maneira de medir o grau de proteção diretamente no sangue de um indivíduo, ou acompanhar a evolução do seu grau de proteção. A novidade é que agora foi demonstrado que a quantidade de alguns anticorpos no sangue está diretamente correlacionada ao nível de proteção da pessoa.

De maneira simplificada, existem três tipos de exames que medem a quantidade e o tipo de anticorpo presente no sangue. O primeiro mede a quantidade de anticorpos contra a proteína N (núcleoproteina). Esses anticorpos aparecem em todas as pessoas que foram infectadas pelo vírus, mas não nas que foram vacinadas. E a razão principal é que a proteína N não faz parte da composição de grande parte das vacinas e, portanto, somente vacinados não apresentam esses anticorpos no sangue. Na cidade de São Paulo, usando esse método foi possível determinar que 42% dos adultos já haviam sido infectados no início de maio de 2021 (https://www.monitoramentocovid19.org/)

O segundo tipo de exame detecta anticorpos contra a espícula do vírus (os chifrinhos). Esses anticorpos aparecem em pessoas infectadas e nas que foram vacinadas. Isso ocorre porque todas as vacinas têm em sua composição a espícula ou parte dela.

O terceiro tipo de exame detecta os anticorpos neutralizantes – que aparecem nas pessoas infectadas e nas vacinadas. Eles impedem que o vírus penetre nas células humanas. Já se imaginava que a quantidade de anticorpos neutralizantes no sangue de uma pessoa deveria estar correlacionada ao nível de proteção, mas isso não havia ainda sido comprovado.

Em um novo estudo, cientistas ingleses identificaram 4.372 pessoas que haviam sido vacinadas com as duas doses da Astrazeneca 28 dias antes do início do estudo e que não haviam sido infectadas pelo coronavírus. Em cada uma delas a quantidade de anticorpos neutralizantes e de anticorpos contra a espícula foi medida no dia inicial do estudo. Essa medida permitiu saber exatamente a quantidade de anticorpos de cada tipo que a pessoa tinha produzido em função de ter sido vacinada. Seguidas durante 88 dias, 1.404 pessoas contraíram o vírus, mas não apresentaram sintomas – e 171 contraíram e apresentaram sintomas. Ou seja, só 4% das pessoas vacinadas apresentaram a forma sintomática da doença nesse período, mas quase 36% contraíram o vírus.

Como os cientistas tinham os dados sobre a quantidade de anticorpos presentes no sangue de cada uma dessas pessoas, foi possível relacionar essa quantidade de anticorpos com a chance de ser infectado e a gravidade da doença. Os resultados são absolutamente claros: quanto maior a quantidade de anticorpos neutralizantes e de anticorpos contra a espícula, menor a chance de a pessoa apresentar sintomas. Por exemplo: pessoas que têm 22 unidades de anticorpos neutralizantes têm uma chance 60% menor de contrair infecções sintomáticas quando comparadas com as que não possuem esses anticorpos. Já as que têm 938 unidades têm uma chance 90% menor.

Essa correlação é valida para todos os anticorpos contra a espícula do vírus ou de parte da espícula e para as infecções sintomáticas. Mas não para as assintomáticas. Estudo da Moderna deu resultados iguais. Esse resultado permite saber se nossa proteção, a cada momento, é alta, baixa, ou está caindo.

Em São Paulo, o grupo de cientistas do qual participo acabou de medir a presença de anticorpos neutralizantes na população de adultos. Com essa medida será possível estimar não somente a fração dos paulistanos já infectados, mas a quantidade dos parcialmente protegidos e seu nível de proteção. Os resultados estão sendo analisados e provavelmente serão divulgados nas próximas semanas. Posso adiantar que são animaDores.