O Estado de S. Paulo, n. 46711, 07/09/2021. Política, p. A6

Atos viram aposta de alto risco do presidente

Bruno Ribeiro
Cássia Miranda
Matheus Lara
Lauriberto Pompeu
Matheus de Souza
Vinícius Valfré


O feriado de 7 de Setembro se tornou a mais elevada aposta política de Jair Bolsonaro desde que assumiu o Palácio do Planalto. Em um momento de isolamento, o presidente acirrou as tensões institucionais ao convocar manifestações de apoio a seu governo e ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa é a opinião majoritária de analistas e políticos ouvidos pelo Estadão.

Os organizadores preveem atos em centenas de cidades do País. Bolsonaro disse que vai participar dos eventos em São Paulo e Brasília, onde ele deve discursar. No sentido oposto, grupos de esquerda também programam atos em quase 200 municípios contra o governo, o que motivou autoridades da segurança pública a criarem esquemas inéditos de policiamento para evitar embates entre os manifestantes, especialmente no transporte público.

Bolsonaro e apoiadores intensificaram a convocação para os atos nos últimos 30 dias após a rejeição da PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados. O STF decretou a prisão de bolsonaristas que ameaçaram ministros da Corte (mais informações na página ao lado). A Procuradoria-geral da República viu “levante” em atos convocados por apoiadores de Bolsonaro, que chegou a comparar as manifestações a um “ultimato” contra os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

Ontem, apoiadores do presidente começaram a se dirigir para a Esplanada dos Ministérios levando cartazes com pedidos de fechamento do Supremo e do Congresso. O presidente sobrevoou o local.

O movimento ocorre num cenário de inflação próxima dos dois dígitos, crise hídrica e risco de racionamento energético, avanço de investigações contra filhos do presidente na Justiça Federal e no Rio, e o Brasil perto da marca de 600 mil mortos pela covid-19. “Numa dinâmica de apostas, o presidente tem poucas opções no campo da institucionalidade. A não ser que tenha ases nas mangas, que não conseguimos enxergar, sua estratégia é ameaçar virar a mesa. A sociedade parece disposta a pagar para ver”, disse o cientista políticos Carlos Melo.

Em São Paulo, na Avenida Paulista, são esperadas caravanas de apoiadores vindas do interior e de outros Estados. Desde sábado vídeos sobre a organização de comitivas são publicados nas redes sociais. Pelo Whatsapp, caminhoneiros bolsonaristas prometem interromper o trabalho em solidariedade às manifestações. A Corregedoria da PM deve pôr mil homens nas ruas para evitar a participação de policiais da ativa no comício do presidente – a categoria é uma das bases eleitorais de Bolsonaro.

Tornar o ato “gigantesco”, como está sendo convocado pelos aliados do presidente, é o ponto central na estratégia de confronto adotada por Bolsonaro. O real impacto da convocação nas ruas em todo o País ainda é incerto. Dados de monitoramento das redes sociais indicam que o assunto está concentrado em determinados perfis, com baixo engajamento fora do campo bolsonarista mais fiel.

Nos últimos dias, líderes bolsonaristas, diante da tensão no País, começaram a fazer alertas sobre supostos “esquerdistas infiltrados” que poderiam radicalizar propositalmente para prejudicálos. A versão é semelhante à usada pela extrema-direita americana para tentar, sem sucesso, transferir para a oposição a responsabilidade pela invasão do Capitólio. O ataque, em janeiro, foi incentivado por pessoas ligadas ao ex-presidente Donald Trump. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-rj) mencionou o esse suposto risco. “Possíveis infiltrados serão repelidos. Vai ser gigante e pacífico.”

Cientistas políticos veem os atos de hoje como parte de uma estratégia de sobrevivência de Bolsonaro, diante da falta de agenda e de propostas para reverter o contexto negativo. “Sem poder agir da maneira que ele gostaria, ele radicaliza”, avalia Carolina Botelho, pesquisadora do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social/mackenzie. José Alvaro Moisés, da USP, afirmou que não foram episódios, como a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson e a rejeição do impeachment do ministro Alexandre de Moraes, que construíram o contexto dos atos, mas sim, uma forma de fazer política que combina atos, gestos e proclamações públicas que “corroem a democracia por dentro”. “Ao mesmo tempo, em que mobiliza segmentos da sociedade a favor de suas posições para pressionar as instituições democráticas legais e constitucionais, ele pressiona as Forças Armadas para, eventualmente, terem um tipo de participação que extrapole as suas funções constitucionais.”

Dirigentes partidários de centro-direita ouvidos pelo Estadão relativizam eventuais ganhos eleitorais do presidente com a aposta no 7 de Setembro. “Não muda nada. Existe uma diferença entre torcedor e eleitor.

Quem vai para a rua entrar em uma linha de discurso igual é torcedor”, afirmou o presidente do DEM, ACM Neto.

“A população não quer saber quem coloca mais gente na rua. Ela quer saber quem vai resolver o problema do preço do arroz, feijão, da luz, quem vai resolver a vacina, quem vai apresentar as políticas públicas”, disse Gilberto Kassab, presidente do PSD.

Oposição. O Grito dos Excluídos, evento ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e os protestos contra o presidente estão programados para ocorrer em todas as capitais. O PT, partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, participa das convocações dos atos ao lado de outros grupos de esquerda. As manifestações devem ter como alvo a falta de políticas para o controle da inflação e aumento da fome, além de pedir a saída de Bolsonaro./  Bruno Ribeiro, Cássia Miranda, Matheus Lara, Lauriberto Pompeu, Matheus de Souza e Vinícius Valfré