O Estado de S. Paulo, n. 46711, 07/09/2021. Política, p. A4

Bolsonaro limita remoção de conteúdos em redes sociais

André Shalders
Lauriberto Pompeu
Weslley Galzo


Na véspera dos atos de 7 de Setembro, sua aposta para mobilizar a base mais fiel e demonstrar popularidade, o presidente Jair Bolsonaro fez ontem um aceno à militância digital e assinou medida provisória que limita as ações de redes sociais para coibir a propagação de informações falsas ou o discurso de ódio. A MP altera o Marco Civil da Internet, lei de 2014, e cria uma série de regras com o objetivo de evitar a “remoção arbitrária e imotivada” de conteúdo.

Agora, plataformas como Youtube, Facebook ou Twitter terão mais dificuldades para excluir um perfil ou remover vídeos, mesmo que estas publicações violem políticas internas das empresas. Para especialistas, a medida limita a capacidade de moderação e facilita a desinformação.

Nos últimos meses, serviços de rede social têm excluído perfis e conteúdos de bolsonaristas por supostamente incluírem notícias falsas e discurso de ódio. Algumas das exclusões se deram por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); outras foram determinadas até pelas redes sociais. O próprio presidente da República foi atingido.

A MP foi publicada ontem em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). Como toda medida provisória, a nova regra sobre redes sociais passa a valer imediatamente, mas precisa ser aprovada pelo Congresso dentro de 120 dias. Se não o for, deixa de vigorar.

A medida diz respeito, principalmente, à exclusão de postagens e perfis por decisão da administração das próprias redes sociais. Pelo texto, a exclusão não fica proibida, mas só pode acontecer “com justa causa e motivação”, dentro de certas hipóteses. Entre as causas que justificariam a exclusão estão a violação de direitos autorais; publicações com nudez ou incitação à violência; a disseminação de software malicioso (vírus de computador) e “incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado”. A MP não impede a remoção de conteúdos e contas por decisão judicial – assim, decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que atingiram bolsonaristas, por exemplo, continuam válidas.

O texto também proíbe as empresas de diminuírem o alcance de um determinado usuário ou conteúdo nas redes de forma a realizar “censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa” — políticos bolsonaristas reclamam com frequência de um suposto cerceamento operado pelos algoritmos das empresas.

A MP ainda estipula uma série de punições às plataformas que excluam conteúdo de forma indevida. As sanções vão desde multa, que pode chegar a 10% do faturamento da empresa no Brasil, até a suspensão temporária do serviço no País.

Remoção. A medida que limita as redes sociais vinha sendo elaborada há pelo menos quatro meses pelo Palácio do Planalto, depois de o próprio presidente da República ter uma série de vídeos removidos de seu canal no Youtube por violar regras da plataforma. Em uma das postagens excluídas, por exemplo, Bolsonaro defendia o uso do antimalárico hidroxicloroquina e do vermífugo ivermectina para o combate da covid-19, uma alegação que não é corroborada pelas pesquisas existentes hoje. “Removemos conteúdo no Facebook e Instagram que viole nossos Padrões da Comunidade, que não permitem desinformação que possa causar danos reais às pessoas”, justificou a empresa na época, em março.

Além do próprio presidente, a remoção de conteúdos e o bloqueio de perfis atingiram aliados de Bolsonaro nos últimos meses. Em meados de julho, por exemplo, o Google, dono do Youtube, removeu da plataforma o canal Terça Livre TV por violar políticas internas da plataforma. Um dos principais canais bolsonaristas do País, o Terça Livre tem 1,26 milhão de assinantes.

O texto da medida provisória foi gestado pelo Ministério do Turismo, comandado por Gilson Machado – e não no Ministério das Comunicações, que em princípio trata do assunto. Em junho, Machado tinha dito durante um debate na Câmara que o governo estava preparando a medida. “É para isso que este governo trabalha. Para que todos nós brasileiros nunca tenhamos cerceado o mais nobre direito, que é a liberdade de expressão”, disse ele à época. O Congresso discute novas regras para redes sociais, mas a proposta ainda não avançou.

O Marco Civil da Internet, alterado pela MP, regula o uso da rede mundial de computadores no Brasil, interferindo em aspectos que vão desde o direito à privacidade até a relação comercial entre os usuários e os provedores de acesso.

Especialistas avaliam que a ação presidencial pode estimular a disseminação desenfreada de notícias falsas. “É uma faca de dois gumes. Por um lado, conseguimos ter uma proteção maior da liberdade de expressão, por outro as plataformas ficam com receio de remover algum conteúdo que eventualmente possa ser ofensivo”, disse a advogada Iara Peixoto Melo, que atua na área de direito digital.

Vice-presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/RJ, Samara Castro afirmou que a subjetividade do texto da MP pode causar problemas na sua aplicação. “A MP retira a capacidade das plataformas de fazerem qualquer tipo de moderação de conteúdo e faz algumas exceções que chama de justa causa”, disse. “Mas essas exceções estão bastante confusas, numa redação bem ruim, o que abre margem para que tenhamos um ambiente da internet ainda mais violento e tóxico.”

Congresso. Líder da oposição na Câmara, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) anunciou que pedirá ao presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que devolva a medida provisória. Para o deputado, que foi o relator do Marco Civil da Internet na Câmara, a medida não cumpre o requisito constitucional de “urgência” — e por isso, deveria ser devolvida. “O objetivo, no fundo, não é proteger a liberdade de expressão. Isso o Marco Civil já faz, e muito bem. O que ele está querendo fazer é impedir as redes sociais de remover conteúdo que desinforma ou que promove discurso de ódio. Dele e de seus apoiadores”, disse Molon.

Aliados do governo, por sua vez, defenderam a iniciativa de Bolsonaro. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) disse que a medida tem o objetivo de proibir “censura prévia e interferências arbitrárias na liberdade de expressão”. / Colaborou Levy Teles

Sem moderação

“A MP retira a capacidade das plataformas de fazerem qualquer tipo de moderação de conteúdo e veda que a plataforma faça isso para qualquer tipo de conteúdo.”

Samara Castro

OAB - Rio de Janeiro