O Estado de São Paulo, n. 46704, 31/08/2021. Política p.A4

 

Fiesp recua: agronegócio faz manifesto pela democracia

 

Após o recuo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entidades do agronegócio brasileiro divulgaram ontem um manifesto no qual defendem o estado democrático de direito garantidor da "liberdade empreendedora" – o inverso de "qualquer politização ou partidarização nociva" que agrava os problemas do País. O texto é assinado por agremiações do setor agroexportador nacional. A exemplo do documento produzido na Fiesp, o manifesto das entidades do agronegócio não cita o presidente Jair Bolsonaro. Porém, opta por uma mensagem mais incisiva, ao descrever a atual sociedade brasileira como "permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais".

O texto das entidades do agronegócio foi divulgado após a Fiesp decidir adiar a publicação de um manifesto que pediria a pacificação entre os três Poderes. A decisão surpreendeu signatários do documento e foi considerada unilateral. Skaf tomou a decisão depois de conversar por telefone com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), aliado de Bolsonaro.

Empresários e representantes de entidades também se surpreenderam com a reação do governo federal – na medida mais dura, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal decidiram deixar a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) caso o manifesto seja publicado. Desde o início, a preocupação era de que o texto não assumisse um caráter antigoverno. Em nota, a Fiesp, afirmou que o adiamento atende ao interesse de dezenas de entidades que manifestaram apoio à causa. Manifestações neste sentido estão sendo produzidas às vésperas do 7 de Setembro, que terá atos convocados por Bolsonaro e seus apoiadores. "Diante da decisão da Fiesp, essas entidades acharam melhor se manifestarem de forma conjunta e independente", disse Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). "Entendemos que se manifestar faz parte do espírito republicano."

O Estadão apurou que a nota das entidades do agronegócio foi produzida ao longo das últimas duas semanas. Embora evite "fulanizar" o recado, como disse um dos responsáveis pelo documento, a mensagem é endereçada ao governo.

As entidades dizem que estão preocupadas com os atuais desafios à harmonia político-institucional e à estabilidade econômica e social do País. "Em nome de nossos setores, cumprimos o dever de nos juntar a muitas outras vozes, num chamamento a que nossas lideranças se mostrem à altura do Brasil e de sua história", diz o documento. "Somos uma das maiores economias do planeta, um dos países mais importantes do mundo, sob qualquer aspecto, e não nos podemos apresentar à comunidade das Nações como uma sociedade permanentemente tensionada em crises intermináveis ou em risco de retrocessos e rupturas institucionais."

O manifesto tem como signatários a Abag, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal (Abisolo), a Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), a Croplife Brasil (que representa empresas de defensivos químicos, biológicos, mudas, sementes e biotecnologia), a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg).

Setores representativos da agroindústria manifestam desde o início do atual governo preocupação com o crescente desmatamento florestal no País, o que ocasiona perda de mercados importantes na Europa e Estados Unidos. A crise institucional agravou a situação, segundo o representante de uma associação. "O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter", alertam as entidades. "Somos força do progresso, do avanço, da estabilidade indispensável e não de crises evitáveis"

O texto lembra que, sob a Constituição Federal de 1988, a sociedade escolheu viver e construir o País por meio do estado democrático de direito. "Mais de três décadas de trajetória democrática, não sem percalços ou frustrações, porém também repleta de conquistas e avanços dos quais podemos nos orgulhar. Mais de três décadas de liberdade e pluralismo, com alternância de poder em eleições legítimas e frequentes", citam as entidades.

Segundo elas, o desenvolvimento econômico e social do País, para ser efetivo e sustentável, requer paz e tranquilidade, reconhecendo as minorias, a diversidade e o confronto respeitoso de ideias. "Acima de tudo, uma sociedade que não mais tolere a miséria e a desigualdade, que tanto nos envergonham."/ ISADORA DUARTE, PEDRO CARAMURU e PEDRO VENCESLAU 

 

TRECHO

"É o Estado Democrático de Direito que nos assegura essa liberdade empreendedora essencial numa economia capitalista, o que é o inverso de aventuras radicais, greves e paralisações ilegais, de qualquer politização ou partidarização nociva que, longe de resolver nossos problemas, certamente os agravará (...)

... O Brasil é muito maior e melhor do que a imagem que temos projetado ao mundo. Isto está nos custando caro e levará tempo para reverter."

 

Manifestação

"Diante da decisão da Fiesp, essas entidades acharam melhor se manifestarem de forma conjunta e independente. Entendemos que se manifestar faz parte do espírito republicano."

Marcello Brito

PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO AGRONEGÓCIO (ABAG)

 

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Ações de Skaf e do governo surpreendem signatários

 

Uma versão final do manifesto “A Praça é dos Três Poderes”, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que cobra mais “harmonia” entre os três poderes da República, foi encaminhada no fim da semana passada a representantes de entidades associadas. O documento alcançou ontem cerca de 300 adesões, conforme apurou o Estadão. Mas não sem causar surpresas, insatisfação e ruídos entre seus organizadores.

A reação negativa da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, que decidiram deixar a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) caso o documento seja publicado – por terem visto nele críticas endereçadas ao presidente Jair Bolsonaro –, surpreendeu parte dos envolvidos, assim como a decisão da Fiesp de adiar a divulgação.

A dúvida é se o manifesto poderá ser divulgado antes ou depois de 7 de setembro, data em que estão previstos atos de rua em diversas cidades brasileiras, convocados por Bolsonaro e apoiadores do presidente.

O texto compartilhado pela Fiesp com as entidades associadas possui cerca de três parágrafos e foi enviado às associações pelo presidente da entidade, Paulo Skaf – que se notabilizou pelo apoio a Bolsonaro e chegou a ser cogitado nos meios bolsonaristas como uma opção para concorrer ao Palácio dos Bandeirantes no ano que vem.

O documento diz que a harmonia “tem de ser a regra” entre os três Poderes e que é “primordial” que todos os ocupantes de cargos relevantes da República sigam o que a Constituição impõe. No documento, as entidades da sociedade civil afirmam que “veem com grande preocupação a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas”.

As entidades afirmam ainda que o momento exige aproximação e cooperação entre Legislativo, Judiciário e Executivo e que cada um atue com “responsabilidade nos limites de sua competência”.