O Estado de São Paulo, n. 46702, 29/08/2021. Política p.A6

 

Para conter polícia, DF prevê promoções

 

Às vésperas da manifestação de 7 de Setembro, governo do Distrito Federal libera mais de R$ 10 mi para tentar atenuar insatisfação da PM

Vinícius Valfré

Diante da ameaça de um quebra-quebra nas ruas de Brasília no dia 7 de setembro, data da manifestação bolsonarista, o governo do Distrito Federal decidiu liberar mais de R$ 10 milhões para conter a insatisfação da Polícia Militar, um dos alicerces do presidente Jair Bolsonaro. O valor será usado, neste ano, na abreviação do tempo de promoções de mais de 2,4 mil policiais que são os mais bem pagos do País. Um outro montante de menor valor, ainda sem previsão, será gasto no esquema de segurança.

Ao longo da semana, o clima no Congresso e nos tribunais superiores foi de tensão e temor por causa de possíveis atos de vandalismo na capital federal. O Centro Integrado de Operações de Brasília (Ciob), que monitora eventos públicos, trabalha na definição de estratégias de segurança de autoridades e dos locais públicos da região central no dia da manifestação.

As providências tratadas envolvem reforço de agentes no entorno do Supremo Tribunal Federal (STF) – principal alvo de ataques de Bolsonaro e de seus apoiadores – e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o fechamento da Praça dos Três Poderes, onde fica a sede da Corte.

O trânsito deverá ser interditado na Esplanada dos Ministérios, que dá acesso à praça. Em grandes manifestações anteriores, pelo menos mil policiais foram mobilizados, incluindo equipes de atiradores especiais que costumam se posicionar nas coberturas dos prédios.

A disposição da PM do Distrito Federal para agir com firmeza contra eventuais bolsonaristas radicais é vista com desconfiança no Supremo, na Câmara e no Senado, já que o governador Ibaneis Rocha (MDB) é alinhado a Bolsonaro.

Bolsonaro pretende discursar pela manhã, em Brasília, e seguir com uma comitiva para fazer o mesmo em São Paulo, à tarde. Autoridades temem um ataque semelhante ao que ocorreu no Capitólio, nos EUA, e dizem que o principal anteparo só poderá ser feito pela PM comandada por Ibaneis.

Ibaneis assinou o decreto das promoções na semana passada. Agora, em vez de 53 promoções de policiais, em 2021, serão 2.495, de praças a oficiais, sem contar os bombeiros. A medida representa um incremento salarial de pelo menos R$ 200 a policiais já com a maior faixa de renda entre todas as unidades da Federação. Metade da tropa ganha pelo menos R$ 10,8 mil, segundo dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública.

Para a assinatura do decreto das promoções, Ibaneis reuniu secretários, deputados distritais e federais e até a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda. “Estive com os governadores e todos mostrando muita preocupação com os eventos do 7 de setembro que se anunciam muito difíceis. Eles estão preocupados com a insurreição das tropas. Eu disse de forma muito tranquila: aqui no DF não temos esse problema.”

 

‘Demandas’. Presidente do Clube dos Bombeiros Militares do Distrito Federal, o subtenente Jair Dias minimizou a assinatura do decreto às vésperas dos atos de 7 de Setembro. “Acredito que ele (Ibaneis) alinhou o corpo técnico e as demandas da corporação”, afirmou Dias. “A medida é vista pelos militares de uma forma muito positiva.”

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do DF afirmou que realizar manifestação é direito “fundamental” expresso na Constituição. “Toda medida adotada pela Secretaria de Segurança Pública obedece à legislação, que visa assegurar o direito de manifestação e de reunião, a ordem pública e a segurança e integridade dos manifestantes e do patrimônio público.”

 

Benefício

2.495

policiais – de praças a oficiais, além dos bombeiros – terão a promoção antecipada no Distrito Federal. Antes, estavam previstas 53 promoções neste ano.

 

R$ 10 mi

é o valor liberado para ser usados nas promoções dos policiais, de acordo com o governador Ibaneis Rocha (MDB).

 

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‘Não desejo rupturas, mas tudo tem um limite’, diz Bolsonaro

 

Em evento evangélico, presidente afirma ainda que só tem três alternativas no futuro: ‘estar preso, ser morto ou a vitória’

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem esperar que não haja tentativas de conter as manifestações de seus apoiadores previstos para o 7 de setembro. Ele negou que defenda algum tipo de ruptura, mas afirmou que há “limite”. “Temos um presidente que não deseja nem provoca rupturas, mas tudo tem um limite em nossas vidas. Espero que não queiram tomar medidas para conter esse movimento”, disse ele ao discursar no 1.º Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos, em Goiânia.

Bolsonaro declarou ainda que só existem três caminhos para ele no futuro. “Tenho três alternativas: estar preso, ser morto ou a vitória (na eleição de 2022). Pode ter certeza, a primeira alternativa, preso, não existe. Nenhum homem aqui na Terra vai me amedrontar. Tenho a consciência de que estou fazendo a coisa certa.”

O comentário do chefe do Executivo fez parte de um discurso de cerca de 20 minutos durante evento com a base evangélica em Goiás no qual ele também voltou a criticar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e medidas de isolamento social na pandemia de covid-19.

Na fala, o presidente reafirmou presença em Brasília e em São Paulo para participar de atos no Dia da Independência. Como mostrou o Estadão, além de policiais militares, as manifestações em apoio ao governo marcados para o dia 7 mobilizam grupos do “bolsonarismo raiz”: evangélicos, ruralistas e caminhoneiros.

“Sei que a grande maioria dos líderes evangélicos vai participar desse movimento de 7 de Setembro, e assim tem que fazê-lo. Está garantido em nossa Constituição. A liberdade de se manifestar, vedado o anonimato, está garantido em nossa Constituição. Não depende de regulamentação. O Brasil precisa de paz, de tranquilidade, para poder prosseguir”, afirmou. Segundo o presidente, os atos fazem parte de “um movimento espontâneo do povo” que alguns querem “evitar”.

Em outro momento da fala, Bolsonaro disse que não é possível “admitir” medidas como a do TSE, que suspendeu repasses de dinheiro a canais bolsonaristas investigados por propagar desinformação. O chefe do Executivo comentou a decisão do corregedor-geral do tribunal, Luis Felipe Salomão, e disse que “tudo tem limite”.

Segundo o presidente, a decisão abre “brecha” para que Tribunais Regionais Eleitorais “façam a mesma coisa para defender o seu respectivo governador”. “Isso não é democracia. A liberdade de expressão tem que valer para todos”, afirmou.

Antes de participar do culto, o presidente, sem máscara, provocou aglomeração em torno do local ao cumprimentar e tirar fotos com apoiadores e foi até um estabelecimento onde tomou um caldo de cana. 

 

Marco temporal. Após o culto, Bolsonaro participou de um encontro com políticos locais. Em novo discurso, voltou a defender que o Supremo Tribunal Federal declare válida a tese do marco temporal de terras indígenas. Para ele, uma decisão contrária da Corte pode inviabilizar o agronegócio brasileiro e afetar a segurança alimentar.

O julgamento no Supremo sobre demarcações está previsto para ser retomado na quarta-feira. O Supremo decidirá se uma terra indígena só pode ser demarcada se for comprovado que as comunidades originárias já estavam estabelecidas sobre o território requerido na data da promulgação da Constituição – 5 de outubro de 1988.

 

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Operação vai monitorar presença ilegal de PMs na Paulista

 

Marcelo Godoy

 

A Corregedoria da Polícia Militar montou uma operação para impedir a presença ilegal de policiais militares na Avenida Paulista durante a manifestação bolsonarista no 7 de Setembro. A direção do órgão determinou que todo o efetivo seja empregado na ação, que contará com os policiais que deveriam estar de folga e com os da área administrativa para “reforçar o patrulhamento disciplinar”.

A decisão de fazer uma operação para impedir a presença de policiais fardados ou armados e integrantes da ativa da corporação nos atos foi informada anteontem ao Ministério Público estadual. Os promotores Marcel Del Bianco Cestaro e Giovana Ortolano Guerreiro, que atuam no Tribunal de Justiça Militar, pediram à corregedoria que informasse se estava fazendo “apurações de inteligência para detectar a participação de policiais militares da ativa nos atos convocados”.

A presença da policiais militares nos atos bolsonaristas – que pregam ruptura institucional, adoção do voto impresso e impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – foi defendida por deputados alinhados ao presidente Jair Bolsonaro, como Coronel Tadeu (PSL) e Major Mecca (PSL), ambos oficiais da reserva da PM paulista. Em grupos de WhatsApp de policiais militares, foram compartilhadas mensagens sobre a vinda de quase uma centena de ônibus e vans para São Paulo.

 

Regulamento. No entendimento dos promotores e do procurador de Justiça Pedro Falabella, que atua no Tribunal de Justiça Militar, a presença dos policiais no ato bolsonarista é ilegal. De acordo com a análise deles, os parágrafos 3.º e 4.º do artigo 8.º do Regulamento Disciplinar da PM paulista vedam esse ato.

“É absolutamente proibido a militares da ativa a participação em manifestações políticas, bem como opinar sobre assunto político e externar pensamento e conceito ideológico”, afirmou Falabella. Para o procurador, pode-se até discutir se o regulamento é justo ou não, mas não pode escolher se vai ou não cumpri-lo.