O Estado de S. Paulo, n. 46708, 04/09/2021. Economia, p. B3

Incertezas afetam política monetária, diz chefe do BC

Cícero Cotrim
Thaís Barcellos
Guilherme Bianchini


O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que a condução da política monetária fica mais complexa diante do momento de incerteza em relação à economia brasileira. Campos Neto participou do evento online de entrega do Prêmio Finanças Mais, ranking das instituições financeiras feito em parceria pelo Estadão e pela Austin Rating.

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse ontem que a condução da política monetária fica mais complexa diante do momento de incerteza em relação à economia brasileira. Campos Neto participou do evento online de entrega do Prêmio Finanças Mais, ranking das instituições financeiras feito em parceria pelo 'Estadão' e pela Austin Rating.

"A gente tem todos os choques externos, choques internos, a crise hídrica, mais um ruído eleitoral, de fato isso dificulta", disse Campos Neto. "Mas o BC tem de pensar que a nossa missão é atingir a meta, entregar a meta de inflação, isso é o elemento mais importante para garantir a estabilidade com crescimento sustentável de curto, médio e longo prazo."

Segundo Campos Neto, o descolamento da inflação em relação à meta na época em que a Selic atingiu a mínima histórica, em 2%, é maior do que o observado hoje, quando o BC está em um ciclo de aumento de juros para perseguir a meta de IPCA de 2022. "Com os dados que a gente tinha naquele momento, a desancoragem para baixo em termos de magnitude era muito maior do que ela é para cima hoje. A gente está num exercício de olhar para o outro lado, entendendo essa inércia, os diversos choques", afirmou.

O presidente do BC disse que a melhor forma de lutar contra as dificuldades de calibragem da política monetária é explicitar essas dificuldades e atuar com uma comunicação eficiente para o mercado. Afirmou ainda que a diferença entre projeções de inflação do mercado e da autarquia parte de questões sobre ritmo de fechamento do hiato do produto e inércia inflacionária.

Campos Neto afirmou ainda que a incerteza fiscal de curto prazo no País vem de uma associação de propostas como o novo Bolsa Família. Segundo o presidente do BC, há uma avaliação dentro governo e do Parlamento de que a ampliação do programa social deve ser feita em um contexto de respeito ao regime fiscal. Campos Neto disse que existe uma consciência de que aumentar gastos com o Bolsa Família pode ser contraproducente caso a incerteza gerada supere o benefício do dinheiro injetado na economia. "Lembrando que não temos recursos públicos para sair da crise com investimentos públicos. Temos de ter investimentos privados."

Inflação global. Segundo Campos Neto, as surpresas para cima nos índices de inflação têm sido observadas em grande parte do mundo, com pressões disseminadas tanto nos preços ao consumidor, quanto nos custos de produção. "O grande exercício agora é saber qual é a passagem dessa inflação que veio do produtor para o consumidor", disse Campos Neto. "Existe um movimento de reprecificação de inflações para a frente, com as inflações mundiais subindo e algumas que estavam encontrando uma estabilidade voltando a subir recentemente, como Alemanha e Inglaterra."

Campos Neto disse que os gargalos na economia global, com produção limitada e demanda maior, têm piorado recentemente. O presidente do BC citou o fechamento de fábricas de carros no Brasil por falta de componentes como um sintoma deste problema. Ele ressaltou que a escassez de semicondutores que atinge o setor automotivo é a pior desde 1996.

O presidente do BC também mencionou que a economia mais digitalizada, com maior demanda por equipamentos de trabalho eletrônico, pode criar uma mudança estrutural de demanda por bens.

Crise hídrica. Para Campos Neto, os efeitos da escassez hídrica no País ainda parecem estar mais relacionados a impactos sobre preços do que a um risco de racionamento. "A gente ainda entende que é mais um tema de preço do que de racionamento, porque, se a gente tem uma chuva, ainda que seja abaixo da média, os reservatórios ficam acima de 10%, isso não implica racionamento", disse.

Segundo Campos Neto, a adoção da bandeira vermelha 2 para o consumo residencial e, mais recentemente, da bandeira "escassez hídrica" causam impactos no IPCA. O presidente do BC disse que a eletricidade tem elevado as projeções de inflação de 2021 e influenciado também as expectativas para o ano que vem.

Premiação. O Prêmio Finanças Mais é uma radiografia das instituições líderes do setor financeiro, em diferentes categorias, com base na análise dos balanços relativos ao ano de 2020. Para definir os vencedores, a Austin Rating usou sua base de dados de mais de 30 anos sobre instituições financeiras brasileiras e uma metodologia própria, que faz uma análise de diferentes aspectos dos números de cada uma das empresas do setor.

Além do Finanças Mais, foram entregues os Prêmios Broadcast Analistas e Projeções. As premiações reconhecem os profissionais e instituições que se destacaram nas estimativas de indicadores e também escolhe a corretora de destaque do ano. Um caderno com a cobertura completa da premiação será publicado no próximo dia 12.

Avaliação

“A gente tem todos os choques externos, choques internos, a crise hídrica, mais um ruído eleitoral, de fato isso dificulta. Mas o BC tem de pensar que a nossa missão é atingir a meta, entregar a meta de inflação.”

Roberto Campos Neto

Presidente do BC