O Estado de S. Paulo, n. 46708, 04/09/2021. Metrópole, p. A17

Estudo aponta impacto da covid nos testículos


Ao acompanhar, desde o ano passado, pacientes homens que tiveram covid-19, o andrologista Jorge Hallak, professor da Faculdade de Medicina da USP, começou a observar que os resultados de exames de fertilidade e hormonais deles permanecem alterados por muitos meses após se recuperarem da doença.

Apesar de ser um teste inicial e não ter condições de diagnosticar fertilidade ou infertilidade, o espermograma de vários pacientes tem indicado, por exemplo, que a motilidade espermática – a capacidade de os espermatozoides se moverem e fertilizarem o óvulo, cujo índice normal é acima de 50% – ficou entre 8% e 12% e permaneceu nesse patamar quase um ano após terem sido infectados pelo vírus. Já os testes hormonais apontam que os níveis de testosterona de muitos deles também despencaram após a doença. Enquanto o nível normal desse hormônio é de 300 a 500 nanogramas por decilitro de sangue (ng/dl), em pacientes que tiveram covid-19 esse índice caiu abaixo de 200 e, muitas vezes, ficou entre 70 e 80 ng/dl.

"Temos visto, cada vez mais, alterações prolongadas na qualidade do sêmen e dos hormônios desses pacientes, e mesmo naqueles que apresentaram quadro leve ou assintomático", disse Hallak. Alguns estudos feitos pelo pesquisador em colaboração com colegas do Departamento de Patologia da FMUSP, publicados nos últimos meses, têm ajudado a elucidar essas observações da prática clínica. Constatou-se que o Sars-cov-2 também infecta os testículos, prejudicando a capacidade das gônadas masculinas de produzir espermatozoides e hormônios. "Entre todos os agentes prejudiciais aos testículos que estudei até hoje, o Sarscov-2 parece ser muito atuante", afirma Hallak.

Em um estudo com 26 pacientes que tiveram covid-19, os pesquisadores verificaram em exames de ultrassom que mais da metade apresenta inflamação grave no epidídimo – estrutura responsável pelo armazenamento dos espermatozoides, e onde eles adquirem a capacidade de locomoção. Os pacientes têm idade média de 33 anos. O estudo, apoiado pela Fapesp, foi publicado na revista Andrology. "Ao contrário de uma infecção bacteriana clássica ou por outros vírus, como o da caxumba, que causa inchaço e dor nos testículos em um terço dos acometidos, a epididimite causada pela covid é indolor e não é possível de ser diagnosticada por apalpamento ou a olho nu", explica Hallak. Por isso, segundo ele, seria interessante ensinar o autoexame dos testículos como política de saúde pública no pós-pandemia.

Outro estudo do mesmo grupo, também apoiado pela Fapesp, indicou que o coronavírus invade todos os tipos de células testiculares, causando lesões que podem prejudicar a função hormonal e a fertilidade masculina. Os pesquisadores pretendem realizar um estudo de acompanhamento de pacientes homens para avaliar quanto tempo duram as lesões causadas pelo SARS-COV-2. "Ainda não sabemos se essas lesões testiculares poderão ser revertidas e quanto tempo levará para isso acontecer", afirma Hallak. / Agência Fapesp