O Globo, n. 32722, 10/03/2023. Política, p. 4

'Elevada gravidade'

Manoel Ventura


O ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), determinou os depoimentos de Jair Bolsonaro e do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque na decisão em que proibiu o ex-presidente de vender ou usar as joias presentadas pela Arábia Saudita. Bolsonaro irá responder às dúvidas de Nardes por escrito. Eles têm 15 dias para ser manifestar.

Nardes quer saber de Bolsonaro quais foram os presentes recebidos por ocasião da visita de Albuquerque à Arábia Saudita; quais deles estão em sua posse e qual destino será dado para cada um; se os itens seriam personalíssimos da exprimeira-dama Michelle e do ex-presidente ou seriam incorporados ao acervo do governo; no caso de as peças terem sido recebidos em caráter pessoal, quais as providências para o pagamento dos devidos tributos; e se houve orientação para o envio de servidor em avião da Força Aérea Brasileira para tentar buscar outros objetos encaminhados pelo governo saudita.

Na decisão, o ministro do TCU ordena que Bolsonaro preserve intacto, na qualidade de fiel depositário, o material que está com ele, até uma nova manifestação da Corte, “abstendo-se de usar, dispor ou alienar qualquer peça oriunda do acervo de joias objeto do processo”.

O conjunto que está em poder de Bolsonaro é composto por relógio, abotoaduras, anel, caneta e uma espécie de rosário. “Considerando o elevado valor dos bens envolvidos e, ainda, a possível existência de bens que estejam na posse de Jair Bolsonaro, conforme noticiado pela imprensa, entendo importante, determinar que o responsável preserve intacto, na qualidade de fiel depositário, até ulterior deliberação desta Corte de Contas, abstendo-se de usar, dispor ou alienar qualquer peça oriunda do acervo de joias objeto do processo em exame”, diz trecho da decisão.

Nardes também quer saber de Albuquerque quais foram os presentes recebidos; quais foram trazidos em sua bagagem; se os itens seriam personalíssimos de Michelle e de Bolsonaro ou seriam incorporados ao acervo do governo; e se os objetos foram recebidos em caráter pessoal, quais as providências para o pagamento dos devidos tributos.

O ministro do TCU ainda determinou diligência à Polícia Federal e à Receita Federal para que, no prazo de 15 dias, encaminhem informações e documentos que respondam se houve algum tipo de pressão sobre os servidores públicos para facilitar a entrada dos objetos no Brasil. Também quer dados que mostrem qual o local em que estão armazenadas as joias e o relógio, se existe investigação sobre outros presentes obtidos na viagem, quais os procedimentos instaurados para a apuração dos indícios de irregularidades.

O ex-presidente confirmou, na quarta-feira, ter ficado com um dos conjuntos de joias enviados como presente pela família real saudita após uma visita ao país do então ministro de Minas e Energia. Em entrevista à CNN Brasil, Bolsonaro afirmou que incorporou ao seu acervo privado o estojo com caneta, um anel, um relógio, um par de abotoaduras e uma espécie de rosário.

— Não teve nenhuma ilegalidade. Segui a lei, como sempre fiz —disse.

As peças entraram no Brasil na bagagem de Albuquerque em outubro de 2021, sem serem declarados. Na mesma leva vieram os itens que seriam entregues à ex-primeira-dama —colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em R$ 16,5 milhões. Esse conjunto veio na mochila de um assessor do ministro e acabou apreendido pela Receita. Tanto os presentes para Bolsonaro quanto os que seriam dados a Michelle são da empresa suíça Chopard, uma das marcas mais famosas (e caras) do ramo de joias no mundo.

Procurador contesta

Nardes tomou a decisão em representações feita feitas pela deputada Luciene Cavalcante (PSOL-SP) e pelo Ministério Público junto ao TCU. O procurador Lucas Furtado disse que vai contestar a decisão. Para ele, a União deve ser a depositária dessas joias, devendo o TCU mantê-las em exposição em seu museu, observados critérios de segurança, até decisão definitiva da Corte.

No seu despacho, o ministro diz que os indícios relatados “revelam-se de elevada gravidade, seja pelo valor dos objetos questionados, seja pela relevância dos cargos ocupados pelos eventuais autores das irregularidades tratadas”.

Já há um entendimento do tribunal de que bens dados por governos não são itens pessoais do presidente. Presentes oferecidos por cidadãos, empresas e entidades costumam permanecer com o ocupante do Planalto, o que não é o caso dos recebidos de autoridades.

Esse entendimento foi firmado em 2016, quando o TCU mandou Lula e Dilma Rousseff devolverem presentes que ganharam quando estavam na chefia do Executivo.

Em outra frente, o presidente da Comissão de Fiscalização do Senado, Omar Aziz (PSDAM), disse ontem que o colegiado também investigará o caso. De acordo com o parlamentar, o primeiro passo será apurar a venda, pela Petrobras, da refinaria de Mataripe, na Bahia, a uma empresa do fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos.