Correio Braziliense, n. 21570, 07/04/2022. Política, p. 4

Freio no PL das fake news

Raphael Felice


A Câmara dos Deputados resolveu desacelerar a tramitação do Projeto de Lei 2630/20, que institui ampla regulação das plataformas digitais no Brasil. Votado em plenário no início da noite de ontem, o requerimento de urgência foi rejeitado com 249 votos a favor e 207 contra.

A urgência foi pautada para permitir que as mudanças sugeridas no PL sejam aplicadas já nas eleições de outubro. O maior objetivo da proposta é o combate à desinformação e a busca por transparência nos critérios de moderação de conteúdo realizados pelas big techs.

Com a negativa, o texto cumpritá o trâmite normal na Câmara dos Deputados e deverá passar por comissões antes de ir ao Plenário — o que praticamente elimina as chances de as regras valerem este ano.

A versão mais recente do projeto de lei foi apresentada pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP) na quinta-feira passada. Desde o início da tramitação, uma série de modificações foram apresentadas ao texto. A última alteração refere-se à equiparação das mídias sociais aos meios de comunicação social para fins do cumprimento do artigo 22 da Lei de Inelegibilidade.

Conforme o artigo, qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá pedir abertura de investigação na Justiça Eleitoral para apurar uso indevido de meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido. O relator defende que tal equiparação dará mais eficácia para que a Justiça Eleitoral apure abuso no espaço on-line.

Além disso, a proposta estabelece um limite de disparos em massa de mensagens — já adotada pelo próprio WhatsApp — e a exigência da rede social possuir representação no Brasil — após o Telegram ter sido bloqueado por não responder aos questionamentos da Justiça brasileira. O texto prevê ainda a extensão da imunidade parlamentar para o uso das redes sociais, de modo a limitar a aplicação das regras nas contas de deputados e senadores.

 

Manifestações

As bancadas governistas expressaram desacordo com a proposta e com o requerimento de urgência. Argumentaram que se trataria do cerceamento da liberdade de expressão,  especialmente em ano eleitoral.

O deputado Giovani Cherini (PL-RS) disse que o PL é uma “mordaça” e o definiu como uma “estratégia da esquerda para voltar ao poder”. “Devemos discutir esse assunto, sim. Mas após a eleição. Agora ele tem um endereço: é para atingir aqueles que utilizam da internet para colocar seus pensamentos, as suas ideias. Quem são vocês para dizerem o que é verdade e o que é mentira? Vão criar mais um tribunal no Brasil para julgar os bolsonaristas? Nós não vamos aceitar”, protestou.

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a deputada Bia Kicis (PL-DF) disse que a proposta promove a censura.

O relator Orlando Silva ressaltou que a proposta legisla sobre transparência. “Não teremos nenhum tipo de censura, nem por parte das empresas de internet. Só obrigamos a empresa a avisar o usuário quando há algum tipo de moderação”, explicou.

O deputado também alertou que, caso o parlamento não busque a regulamentação da questão, outros Poderes o farão. “Se não fizermos isso, o Poder Judiciário fará. Não adianta chorar nem lamentar depois. A omissão dessa Casa poderá refletir num maior ativismo judicial”, defendeu.

A bancada petista saiu em defesa do texto e destacou a importância de que a internet “não seja terra de ninguém”. “Deve haver, sim, um monitoramento pelas redes sociais e de tudo que for publicação indevida, de desinformação, que possa ter um pedido de rotulação e que possa ser retirada das redes sociais”, manifestou o deputado Rui Falcão (PT-SP).

 

Principais pontos do projeto

Limitação de disparos em massa

Aplicativos como WhatsApp e Telegram deverão impor limites no disparo em massa de mensagens e demais conteúdos, com freios até no uso de lista de transmissão. O PL ainda prevê prisão de um a três anos para quem disparar informações falsas que possam prejudicar o bom andamento do processo eleitoral “ou que possam causar dano à integridade física”.

 

Representação

Redes sociais com mais de 10 milhões de usuários em território nacional precisarão contar com um representante jurídico no Brasil.

 

Equiparação

Com relação às eleições, o texto pretende tratar as plataformas digitais e o uso de suas ferramentas da mesma forma que o faz com os meios de comunicação.  O trecho possibilita abertura de investigação contra partidos e candidatos por uso irregular das plataformas.

 

Imunidade parlamentar

O projeto de lei prevê estender a imunidade parlamentar para as redes sociais. Esse é um dos pontos mais controversos, pois pode dificultar ou até impedir exclusão de conteúdos que descumpram regras e propaguem fake news que tenham sido compartilhados por parlamentares. A proposta determina, ainda, que ocupantes de cargos públicos estão impedidos de bloquear usuários ou suas redes sociais.

 

Relatórios e transparência

As plataformas de redes sociais terão de apresentar, a cada seis meses, relatórios sobre o controle dos conteúdos publicados.