O Globo, n. 32719, 07/03/2023. Política, p. 4

Juscelino fica

Jeniffer Gularte
Sérgio Roxo
Guilherme Caetano


Ainda sem conseguir montar uma base sólida no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ontem manter no cargo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, da cota do União Brasil, suspeito de usar um voo oficial para participar de eventos particulares em São Paulo. A avaliação no Palácio do Planalto é que, apesar do constrangimento motivado pelo episódio, o voto de confiança serviu para cobrar mais empenho do ministro em garantir o apoio do seu partido. Horas antes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), próximo a nomes da legenda, havia alertado sobre a falta de um apoio “consistente” ao Planalto no Congresso. Embora tenha indicado três nomes para o primeiro escalão do governo, o União Brasil tem se declarado independente e está dividido sobre integrar a base aliada.

Na semana passada, Lula disse que havia cobrado explicações de Juscelino e, caso ele não conseguisse “provar sua inocência”, não poderia continuar no cargo. Integrantes do PT, como a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann, pressionavam pelo afastamento.

Durante um evento em São Paulo, antes da reunião entre o presidente e o ministro, Lira havia mandado um recado sobre a necessidade de o governo construir uma situação mais confortável no Congresso antes de tentar aprovar pautas de seu interesse, como a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal. A declaração foi interpretada por aliados do petista como uma mensagem para que não demitisse Juscelino, o que poderia representar uma abalo na relação com o União.

— Nós teremos um tempo também para que o governo se estabilize internamente. Porque hoje o governo ainda não tem uma base consistente, nem na Câmara nem no Senado, para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matérias de quórum constitucional — afirmou Lira, durante evento da Associação Comercial de São Paulo.

Após a reunião com Lula, da qual também participou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, Juscelino foi às redes sociais afirmar ter “esclarecido as acusações infundadas” e tratou o encontro como “positivo”. Depois, em entrevista, garantiu que seu partido fará parte da base aliada.

— A legislatura está apenas começando, tenho certeza que o União será um grande parceiro do governo —disse ele à CNN Brasil.

O ministro, contudo, afirmou não ter tratado com Lula sobre as declarações da presidente do PT defendendo seu afastamento.

— Não vou comentar a postura da presidente Gleisi.

A decisão de Lula foi bem recebida por integrantes do União, que lembram o apoio decisivo da legenda à PEC da Transição — prioridade de Lula antes da posse, o texto foi aprovado em dezembro de 2022.

— Juscelino tem a confiança do partido e o apoio das bancadas. A permanência é um gesto bem recebido pelas bancadas e reconhecido pelo partido —disse ao GLOBO o líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB).

Evitando precedente

Auxiliares do presidente avaliam que março e abril serão meses decisivos para avaliar o nível de comprometimento da sigla com as pautas de interesse do Palácio do Planalto. O União tem 59 representantes na Câmara e nove no Senado, mas entre eles nomes declaradamente de oposição, como o senador Sergio Moro (PR).

Outro ponto considerado por Lula foi que a demissão de um ministro com pouco mais de dois meses de governo abriria muito cedo um precedente de trocas no primeiro escalão. O afastamento poderia colocar o presidente em uma situação difícil na hipótese de surgirem, no futuro, outras suspeitas envolvendo auxiliares mais próximos.

Pouco antes da reunião, o ministro divulgou um vídeo em que justificou o uso de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a reuniões de trabalho em São Paulo, onde também participou de leilões de cavalo. Ele disse ainda ter devolvido diárias por dias em que não teve agendas oficiais, sob o argumento que os valores foram pagos por um erro do sistema.

Juscelino também precisou explicar a Lula a destinação de R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente a fazendas de sua família, em Vitorino Freire (MA). Ele disse ao presidente que a estrada que passa pela sua fazenda no interior do Maranhão é “de chão e com lama e nunca foi asfaltada”. Os dois casos foram revelados pelo jornal O Estado de S. Paulo.

No encontro com Lula, Juscelino foi aconselhado a se defender publicamente caso surjam novas suspeitas. O episódio deve ser analisado pela Comissão de Ética Pública em sua próxima reunião, marcada para o dia 28.