O Globo, n. 32719, 07/03/2023. Economia, p. 11

Hora da renegociação

Eliane Oliveira
Manoel Ventura


Promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o programa Desenrola, de renegociação de dívidas, deve alcançar 37 milhões de pessoas. O objetivo é cobrir um total de R$ 50 bilhões em débitos. Os detalhes foram fechados ontem entre Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. De acordo com o ministro, o programa será lançado após a conclusão da plataforma que vai reunir devedores e credores.

Para garantir que os juros sejam atraentes para quem tem dívidas em atraso, o governo fará um aporte de R$ 10 bilhões no Fundo de Garantia de Operações (FGO). Trata-se do mesmo fundo garantidor usado para abastecer o Pronampe, programa criado durante a pandemia para financiar micro e pequenas empresas. Ele será usado para cobrir a inadimplência nas operações voltadas para quem tem renda de até dois salários mínimos.

Segundo Haddad, esse é justamente um dos pontos fortes do programa. Ao cobrir o risco de não pagamento na baixa renda, o mercado poderia oferecer juros menores a este segmento. A partir de dois salários mínimos, porém, não haveria cobertura, o que tende a deixar os juros maiores.

— Os credores vão entrar num programa pelo tamanho do desconto que se dispuserem a dar para os devedores, justamente aqueles que estão com o CPF negativado na Serasa ou empresas semelhantes a essa. O desenvolvimento do sistema vai ser contratado. E nós vamos lançar o programa quando o sistema estiver pronto —disse.

Limite de até R$ 5 mil

O ministro afirmou que a proposta envolverá uma medida provisória a ser aprovada pelo Congresso Nacional. Ele explicou que, assim que o desenho for fechado, será apresentado a Lula e encaminhado ao Legislativo. Haddad informou que não haverá linha de corte — ou seja, todos que estiverem endividados poderão procurar o programa.

O objetivo da iniciativa será renegociar dívidas de até R$ 5 mil, incluindo beneficiários do Bolsa Família, e isso vai incluir todo tipo de débito, menos as dívidas com o setor público. Hoje, a maior parte dos débitos negativados do país (66,3%) não é com bancos, e sim com varejistas e companhias de água, gás e telefonia. As dívidas poderão ser refinanciadas em até 60 meses.

A ideia é que bancos, varejistas, companhias de água, luz, telefonia e outras empresas participem das negociações. Os credores só poderão acessar o programa se concederem descontos na dívida. Essa será uma condição obrigatória para participar do Desenrola.

O programa que está sendo desenvolvido pelo governo vai concentrar em uma mesma plataforma devedores, credores e bancos. Hoje, são dados que estão descentralizados e ainda precisarão ser unificados. Essa plataforma será gerida pelos bureaus de crédito, como a Serasa e o SPC.

Haverá um site em que o consumidor, com o uso do CPF, irá consultar suas dívidas e demostrar interesse em negociar. As empresas credoras poderão fazer uma oferta de desconto. O programa só refinancia até R$ 5 mil por pessoa. Se um interessado tem dívidas de R$ 10 mil, por exemplo, ele não pode refinanciar todo esse montante. Será dada prioridade à instituição que oferecer maior desconto. Ou seja, se ele tem débitos com bancos, varejistas e empresas de consumo, passa na frente a que oferecer maior abatimento.

De outro lado, o credor oferece desconto único para todo tipo de devedor. Ou seja, se um banco oferece 40% de abatimento e outro oferece 30%, o primeiro passa na frente.

O ministro destacou que o programa não envolve dívidas com o setor público, mas apenas junto ao setor privado. Enfatizou que, quanto maior for o desconto, mais chances o credor terá de receber. O programa ficará sob o comando de Marcos Barbosa Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda.

—Temos que modelar o sistema. A exigência do programa vai ser o desconto que o credor estiver disposto a dar.

O mais recente levantamento da Serasa, com dados de janeiro de 2023, indica que a inadimplência no Brasil voltou a crescer. Com um aumento de mais de 600 mil pessoas, o indicador de inadimplência aponta 70,09 milhões de brasileiros com dívidas em atraso. Os brasileiros de 26 a 40 anos se destacam na faixa etária, representando 34,8% do total dos inadimplentes.

Além de ser uma promessa de campanha, um programa que dê alívio para famílias endividadas pode ajudar o governo a aumentar o consumo. Com previsões de crescimento neste ano abaixo de 1%, a gestão Lula busca formas de alavancar a economia. A possibilidade de expansão baixa é um dos motivos que levaram o presidente a centrar fogo no Banco Central, por causa da taxa de juros de 13,75% ao ano.

Diretoria do BC

Ontem, Haddad disse que tem levado a Lula nomes que estão sendo sugeridos para ocupar as diretorias da autoridade monetária. Ele disse que também conversa com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre o assunto.

Os diretores de Política Monetária, Bruno Serra, e Fiscalização, Paulo Souza, já terminaram seus mandatos, mas continuarão no Banco Central até Lula decidir.

— Estou levando a conhecimento dele (Lula) nomes que estão sendo sugeridos e ele, certamente, vai procurar conhecer o currículo e o histórico dessas pessoas.