O Estado de São Paulo, n. 46694, 21/08/2021. Economia p.B6

 

Guedes refuta reforma se 'piorar' tributo


Após três tentativas frustradas de mudar o IR, ministro afirma que prefere desistir de reforma tributária a tornar sistema mais desigual

Eduardo Rodrigues

Lorenna Rodrigues

 

Em meio a fortes críticas às propostas de reforma tributária apresentadas pelo governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que prefere desistir a aprovar um texto que piore o sistema – seja aumentando a carga tributária ou prejudicando os governo regionais.

"A desigualdade é enorme no Brasil porque a gente tributa errado. Não vamos fazer nenhuma insensatez. Quero deixar claro o seguinte: eu prefiro não ter reforma tributária do que piorar. Só que tem muita gente gritando que está piorando, mas é quem vai começar a pagar. Temos de ver mesmo se vai piorar ou não. Se chegar à conclusão de que vai piorar, é melhor não ter", afirmou ele, em sessão do Senado sobre a PEC 110/2019, que unifica os impostos sobre consumo de bens e serviços (mais informações nesta página).

O governo enviou duas propostas de reforma ao Congresso. A primeira prevê a unificação do PIS e da Cofins num novo tributo, batizado de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). O texto foi enviado em junho do no ano passado, mas está com a tramitação parada. Um segundo projeto, enviado em junho deste ano, propõe mudanças no Impoto de Renda cobrado sobre empresas, pessoas físicas e investimentos.

Como mostrou o Estadão, especialistas em tributação afirmam que o parecer do projeto de reforma do IR – que tramita hoje na Câmara – amplia as distorções do sistema tributário brasileiro, ao aumentar as diferenças na forma como as pessoas são tributadas. Esses especialistas dizem que seria melhor que o texto fosse enterrado de vez.

A reforma do IR já teve sua votação adiada por três vezes, em meio a pressões de todos os tipos. Para os especialistas, a reforma não tem conserto diante dos lobbies para novas concessões – e que incluíram até mesmo negociações que vão além do projeto, como uma mudança na forma como o piso do magistério é reajustado. Na melhor das hipóteses, acrescentam, seria melhor dividir o projeto e aprovar neste momento apenas a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

O impasse para esse caminho, no entanto, é como compensar a perda de receita com o aumento da faixa de isenção (dos atuais R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil) e a correção da tabela. O governo também utilizou a taxação da distribuição de dividendos para lançar o novo Bolsa Família e cumprir a legislação fiscal que exige compensação quando um novo gasto é criado.

Guedes voltou ontem a defender a volta da tributação de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas para as pessoas físicas. A ideia é de que a alíquota seja de 20%, mas com exceções: seriam isentos lucros e dividendos distribuídos por empresas do Simples Nacional ou do lucro presumido (regime simplificado muito usado por profissionais liberais, como médicos, advogados, contadores e economistas) no limite de até R$ 4,8 milhões anuais. "No Brasil, está cheio de gente rica e empresa pobre. O Brasil tem empresas extraordinárias, que sobreviveram a esse manicômio tributário", disse o ministro.

Na área econômica, depois da ampliação das isenções, a preocupação é com o risco fiscal: o custo da proposta e seu impacto nas contas públicas. Apesar do apoio oficial de Guedes, a avaliação interna é de que o projeto não serve se ampliar o risco fiscal num ambiente já conturbado entre os investidores, como mostrou o Estadão. Nesse caso, o melhor seria focar na votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de parcelamento dos precatórios (dívidas judiciais que a União precisa quitar). A Receita Federal também tem alertado para os problemas no parecer, principalmente em relação ao incentivo à "pejotização", prática em que profissionais liberais pagam menos imposto ao aderir ao regime de pessoa jurídica.

 

Desigualdade

"A desigualdade é enorme no Brasil porque a gente tributa errado. Não vamos fazer nenhuma insensatez. Quero deixar claro o seguinte: eu prefiro não ter reforma tributária do que piorar. Só que tem muita gente gritando que está piorando, mas é quem vai começar a pagar. Temos de ver mesmo se vai piorar ou não. Se chegar à conclusão de que vai piorar, é melhor não ter."

 

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Senador promete projeto com mudança ampla

 

Após criticar a forma como a equipe econômica tem lidado com a reforma tributária que unifica os impostos sobre consumo de bens e serviços, o relator da PEC 110/2019, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), disse que apresentará seu parecer "de forma impreterível" na próxima semana.

O Senado realizou ontem a segunda sessão de debates temáticos sobre a PEC, mas Rocha disse que se decepcionou com a fala do secretário especial da Receita Federal, José Tostes Neto, que defendeu a aprovação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), unificando apenas as cobranças do PIS e da Cofins. Esse projeto foi enviado pelo governo à Câmara ainda em junho do ano passado, mas o texto até agora não tramitou.

"Lamento dizer, mas parece que estamos num faz de conta. A CBS é uma demonstração de que desistiram de uma reforma ampla, que tentamos levar adiante. Há ambiente no Senado para aprovação da matéria (PEC 110). Debate de hoje (ontem) não é para discutir projeto de lei que está na Câmara, é para discutir a PEC 110", reclamou Rocha. Ele afirmou que vai apresentar seu relatório e passará os trabalhos das sessões temáticas sobre reforma tributária para outro senador a partir da próxima semana. "É quase que um desabafo de quem está carregando sozinho esse piano há três anos. Aprendi que brigar não é bom. Brigar sabendo que vai perder é burrice. Digo isso, na forma de um desabafo."

A PEC 110/2019 une IPI, PIS, Cofins, IOF, CSLL, Cide, Salário Educação (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). No total, eles representam 31,7% da arrecadação federal. A PEC ainda prevê o Imposto Seletivo (IS) sobre operações com bens e serviços específicos, como bebidas e cigarro. Está prevista uma alíquota mais baixa para medicamentos e alimentos.

Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que também participou da audiência, o melhor modelo é "por etapas". "Toda longa caminhada e toda visão ampla exige primeiros passos, que pode ser essa visão (de reforma) por etapas", afirmou. Para ele, é "impossível fazer reforma tributária de uma só vez, impossível". "Não me atrevi a dar o pulo para uma reforma ampla que tirasse ISS dos municípios. Ora, se os Estados já avançaram tanto, por que não experimentar homogeneizar o ICMS entre eles? Seria uma colaboração extraordinária se já chegassem com o pacote pronto", afirmou.