O Estado de São Paulo, n. 46694, 21/08/2021. Política p.A4

 

PF faz ação; Bolsonaro pede impeachment de Moraes

 

André Shalders

Wesley Galzo

 

O presidente Jair Bolsonaro apresentou ontem ao Senado um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A solicitação foi feita no mesmo dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra apoiadores do presidente – como o cantor Sérgio Reis e o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) –, atendendo a uma determinação do ministro do STF. O texto foi protocolado digitalmente pela Presidência no gabinete do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e é assinado apenas por Bolsonaro. Pacheco reiterou ontem a disposição de não acatar o pedido.

Com a atitude, o presidente ignorou apelos para a pacificação do País e agravou ainda mais a crise entre os poderes. Bolsonaro pediu a destituição de Moraes do cargo e o afastamento do ministro das funções públicas por oito anos. “Nos próximos dias apresentaremos o segundo pedido”, afirmou ele depois, em entrevista, ao destacar que também pedirá a deposição do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso. “Ou seguimos as leis ou cada um começa a interpretar de maneira que melhor interessa”.

Bolsonaro é alvo de cinco inquéritos no STF, entre os quais os das fake news, conduzido por Moraes, por disseminar notícias falsas contra urnas eletrônicas. Na avaliação do presidente há uma “ditadura da toga no País”.

Pacheco estava em São Paulo quando soube do pedido protocolado em seu gabinete e repudiou a medida. "Não antevejo fundamentos para impeachment de ministro do Supremo como também não antevejo em relação a impeachment de presidente da República", afirmou o senador. “Não vamos nos render a nenhum tipo de investida que seja para desunir o País, destacou o presidente do Senado.

Em resposta à ofensiva de Bolsonaro, o Supremo divulgou na noite de ontem uma dura nota, condenando a ofensiva do Palácio do Planalto. No texto, referendado por todos os ministros, o STF diz repudiar “o ato do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, de oferecer denúncia contra um de seus integrantes por conta de decisões” em inquérito chancelado pelo plenário da Corte.

“O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal”, diz a nota do STF.

Ao pedir o impeachment de Moraes, Bolsonaro abriu um novo capítulo da crise, que dificultará muito a tramitação da indicação do ex-ministro André Mendonça para uma vaga na Corte. O presidente da Comissão e Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que a investida contra o Supremo é uma “grave afronta” e não pautará a sabatina de Mendonça.

No Twitter, Luiz Roberto Barroso publicou a tradicional dicas que dá às sextas-feiras. “Um pensamento: ‘O que mais preocupa não é o grito dos violentos, dos corruptos e dos sem ética, mas o silêncio dos bons’”, escreveu ele, numa referência à frase de Martin Luther King. A música recomendada por ele foi “Vai passar”, de Chico Buarque.

No Supremo, os ministros trabalhavam para retomar o diálogo com o Planalto após apelos de Pacheco e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Na última segunda-feira, por exemplo, o presidente da Corte, Luiz Fux, abriu a sessão de julgamento com um aceno à pacificação. No início do mês, ele tinha anunciado o cancelamento da reunião entre os três poderes, alegando que Bolsonaro não estaria disposto a conversar. O magistrado afirmou que os ataques contra Moraes e Barroso também atingiam os demais ministros da Corte.

A escalada da crise começou com a polêmica do voto impresso porque Bolsonaro sempre achou que Barroso interferiu para derrubar a proposta na Câmara. Além disso, o presidente é alvo de vários inquéritos no STF, entre eles o das fake news, que também investiga aliados do presidente e um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-rj).

O pedido de impeachment apresentado ontem reúne 17 páginas, mas o arquivo protocolado no Senado é bem maior, pois inclui cópias de documentos pessoais de Bolsonaro e alguns despachos de Moraes.

Para deputados e senadores de partidos da oposição, Bolsonaro tentou desviar o foco da crise. O presidente destacou na epígrafe do texto enviado a Pacheco, ainda, um trecho do depoimento de Moraes em sua sabatina no Senado, em 21 de fevereiro de 2017, quando o ministro disse reafirmar sua “devoção com as liberdades individuais” – as quais, no entender do presidente, ele desrespeitou. Um desses ataques seria a decisão de Moraes, na semana passada, de mandar para a prisão o presidente nacional do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson.

Aliado de Bolsonaro, Jefferson foi preso por integrar o “núcleo político” de uma rede que age para “desestabilizar as instituições republicanas”, segundo a fundamentação do ministro. Para isto, o deputado utilizaria uma “rede virtual de apoiadores” devotados a espalhar mensagens que pedem a “derrubada da estrutura democrática e o Estado de Direito no Brasil”.

Bolsonaro anunciou que pediria o impeachment de Moraes e também de Barroso por meio de uma sequência de tuítes, no último sábado. “De há muito os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (...) extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo sobre ambos”, escreveu o presidente da República na rede social. Até o momento, porém, o presidente não pediu a destituição de Luís Roberto Barroso, apenas a de Moraes.

No texto, Bolsonaro argumenta que o Judiciário passou a agir como um ator político. Por isso, deveria tolerar ataques similares aos que ele diz sofrer enquanto presidente.

 

EM NOTA

Embate

“Ou seguimos as leis ou cada um começa a interpretar de maneira que melhor interessa.”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

 

“O estado democrático de direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões.”

Supremo Tribunal Federal

 

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Presidente diz que estará em ato no 7 de Setembro

 

Eduardo Gayer

 

O presidente Jair Bolsonaro sugeriu ontem que pode tomar providências a partir de pedidos feitos por apoiadores nas manifestações marcadas para o 7 de Setembro ."teremos uma fotografia para o mundo no dia 7 do que vocês querem.

Eu só posso fazer alguma coisa se vocês assim o desejarem", afirmou a simpatizantes na porta do Palácio da Alvorada, sem especificar quais demandas estaria disposto a atender.

A base bolsonarista tem sido insuflada nos últimos dias pelo próprio presidente, que está em conflito com o Supremo Tribunal Federal (STF). Manifestantes prometem concentrar protestos contra o Judiciário e em defesa do governo e do voto impresso no feriado da Independência, em Brasília, São Paulo e outros Estados do País.

O desfile cívico-militar do 7 de Setembro foi cancelado, mais uma vez, em razão da pandemia, mas Bolsonaro repetiu ontem que estará presente na manifestação e fará um discurso. "Pretendo usar a palavra, mas não uma palavra de ameaça", afirmou o presidente.