O Estado de S. Paulo, n. 46705, 01/09/2021. Política, p. A4

TJ do Rio quebra sigilos de Carlos por ‘rachadinha’

Fábio Grellet


A Justiça do Rio determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente Jair Bolsonaro. Carlos é investigado desde julho de 2019 pelo Ministério Público do Estado (MP-RJ) por suspeita de praticar “rachadinha” – apropriação de parte do salário dos assessores – e contratar funcionários “fantasmas” em seu gabinete na Câmara Municipal da capital fluminense. Em outra investigação, o senador Flávio Bolsonaro (Patriotarj), irmão de Carlos, também é acusado de ter praticado “rachadinha” quando era deputado estadual no Rio.

Outras 26 pessoas e sete empresas, em 24 de maio, tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados pela ordem judicial, na mesma investigação sobre Carlos Bolsonaro. A apuração foi aberta após reportagem publicada pela revista Época revelar que duas pessoas nomeadas como assessoras parlamentares afirmaram que, na verdade, nunca exerceram funções no gabinete de Carlos.

A quebra dos sigilos do vereador foi revelada pela Globonews. No início da noite de ontem, o Tribunal de Justiça do Rio a confirmou a informação ao Estadão. A apuração corre em segredo de Justiça. Carlos integra a Câmara Municipal do Rio desde 2001. Foi eleito aos 17 anos, ajudado pela força eleitoral do sobrenome do pai e está exercendo o seu sexto mandato.

A informação sobre a quebra de sigilos veio à tona a uma semana das manifestações convocadas pelo presidente da República para o feriado de 7 de Setembro. Bolsonaro conclamou seus seguidores a protestar contra o Supremo Tribunal Federal, principalmente os ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso.

O então procurador-geral de Justiça do Rio José Eduardo Gussem deu início à investigação envolvendo o gabinete de Carlos. Mas, após decisão do Supremo, a apuração foi encaminhada para a primeira instância e tramita na 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada do Núcleo do Rio.

Dinheiro. Ao longo dos mais de 20 anos como vereador, Carlos fez aquisições de bens de alto valor pagando com dinheiro em espécie. Em setembro do ano passado, o Estadão revelou que, em 2003, o vereador pagou R$ 150 mil (cerca de R$ 370 mil em valor atualizado) em dinheiro ao comprar um apartamento no bairro da Tijuca, na zona norte. O episódio foi citado pelo MP-RJ ao pedir a quebra de sigilos do vereador.

Como mostrou o Estadão ainda em 2019, duas pessoas nomeadas como assessores no gabinete de Carlos na Câmara nunca emitiram crachá funcional nem registraram entrada como visitantes na sede do Legislativo municipal do Rio, onde supostamente trabalhavam. Mesmo se exercer função externa, o servidor precisaria fazer uma dessas duas coisas para comprovar presença no trabalho, segundo a Câmara informou à época.

Documentos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostraram que Claudionor Gerbatim de Lima e Márcio da Silva Gerbatim, investigados pelo Ministério Público do Rio, passaram o período em que estavam lotados no gabinete de Carlos sem ter a presença atestada pelo sistema da Câmara em nenhum dia. Lima e Gerbatim já estiveram lotados tanto no gabinetes de Carlos na Câmara como no de seu irmão Flávio Bolsonaro, hoje senador, quando este era deputado estadual. Ambos já tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados na investigação sobre o suposto esquema de "rachadinha" no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Empregado como motorista pelo vereador entre abril de 2008 e abril de 2010, Gerbatim foi nomeado logo depois como assessor adjunto no gabinete de Flávio na Alerj, onde ficou até maio de 2011. No mesmo dia, Claudionor ganhou a vaga no gabinete de Carlos na Câmara Municipal.

Adiamento. Ontem, o ministro Gilmar Mendes, do STF, adiou o julgamento na Segunda Turma, previsto sobre o foro de Flávio na investigação das rachadinhas. 

No Supremo, Carlos Bolsonaro também foi alvo do inquérito dos atos antidemocráticos, investigação aberta em abril de 2020 a pedido da Procuradoria-geral da República para desvendar a organização, divulgação e financiamento de manifestações contra a democracia. Ele foi citado 43 vezes nesse inquérito. Três servidores ligados ao vereador seriam integrantes do “gabinete do ódio”, grupo responsável por atacar adversários e o próprio regime democrático por meio da divulgação de fake news. A reportagem não conseguiu contato com o vereador ou sua defesa até a conclusão desta edição.