O Globo, n. 32717, 05/03/2023. Economia, p. 16

Estados querem rediscutir dívidas com União

Jan Niklas
Glauce Cavalcanti


Governadores dos estados do Sul e do Sudeste defenderam ontem, em evento no Rio, que a discussão sobre a Reforma Tributária no Congresso Nacional leve em conta o elevado endividamento dos entes federativos. Em um discurso afinado, eles também cobraram a compensação pelas perdas de receita que vêm amargando desde 2022, devido à redução da alíquota do ICMS sobre energia e combustíveis imposta pela União.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi um dos que mais bateram na tecla da importância de olhar a situação das contas públicas dos governos estaduais na hora de elaborar uma proposta que vá alterar o regime tributário do país.

— A dívida dos estados tem que entrar na discussão da Reforma Tributária, da distribuição do bolo tributário e do pacto federativo. Não dá para imaginar que a reforma vai ser um mar de rosas. Envolve mexer com setores que hoje são subtributados —disse Freitas, que participou do Sétimo Encontro do Consórcio de Integração Sul Sudeste (Cosud).

Os representantes dos sete estados que participaram do encontro afirmaram que têm, juntos, uma dívida de R$ 630 bilhões, ou 93% do débito público com a União. Em carta aberta, eles argumentaram que, diante de um crescimento econômico inferior aos custos da dívida com o governo federal, não há como pagarem obrigações e ainda manterem aporte em infraestrutura e em serviços públicos essenciais. Daí a necessidade de contemplar essa situação na Reforma Tributária, disseram.

Revisão dos contratos

O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), destacou a necessidade de se rever a forma de correção das dívidas dos estados e classificou como “agiotagem” o mecanismo atual. Hoje, a dívida é corrigida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano ou a taxa Selic, o que for menor.

— Se queremos fazer a verdadeira Reforma Tributária, há de se começar por destravar o Brasil. O maior garrote hoje é a agiotagem. Uma atividade econômica importante da União hoje é agiotar os estados. E devia ser apoiar os estados —disse ele.

Castro anunciou que o grupo do Cosud irá montar estruturas nas secretarias de Fazenda para analisar sob a perspectiva regional todas as propostas da Reforma Tributária e, assim, defender os interesses de cada estado individualmente, mas também de todo o Sul e Sudeste.

Em paralelo, os governadores cobraram compensações da União pelas perdas com ICMS. Em junho passado, o governo federal aprovou lei que tornou energia elétrica, combustíveis, transporte urbano e telecomunicações setores essenciais. Com isso, esses bens e serviços passaram a ser tributados pela alíquota básica de ICMS. A ideia era reduzir os preços desses itens e ampliar a popularidade do então presidente Jair Bolsonaro. Mas os estados tiveram forte perda com isso, estima da em mais de R$ 45 bilhões até dezembro passado.

— Os estados não podem receber obrigações de despesas, e de outro lado termos subtraídas nossas receitas como aconteceu ano passado. Essa conta não fecha. A população acaba pagando a conta desse desajuste, desse desequilíbrio —pontuou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).

Ele também criticou a criação de novas despesas para os governos estaduais, como o aumento de pisos salariais de servidores, sem contrapartida fiscal do governo federal.

Desvinculação de receitas

O ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, Alexandre Padilha (PT) afirmou, ao lado dos governadores, que tem convicção de que o Congresso irá trabalhar para aprovar a Reforma Tributária, mesmo que ela não seja “a ideal”.

— Estou absolutamente convencido de que existe um ambiente extremamente positivo hoje no Congresso Nacional para aprovarmos a Reforma Tributária — afirmou Padilha. —Estou com a sensação de que o Congresso dessa vez quer dizer o seguinte: “vamos aprovar o consenso possível porque todo mundo sabe o impacto que pode ter para o crescimento econômico do país, para criarmos um ambiente de segurança econômica”.

Padilha, porém, reconheceu que as negociações para avançar na proposta devem ser duras:

—Talvez não seja a reforma tributária ideal. Esse é um dos grandes problemas. Todo mundo quer reforma tributária, mas quando cada um só quer a sua reforma tributária a gente não consegue construir consenso e acordo e maioria constitucional suficiente para aprovar uma —disse. Na carta, os governadores chamaram atenção ainda para o fato de que no fim deste ano vence o mecanismo que permitiu desvincular 30% das receitas das unidades da federação vindas de impostos, taxas e multas, por meio da Emenda Constitucional nº 93 de 2016.

Precatórios

Esse mecanismo permite que essa fatia de recursos seja aplicada em qualquer área, sem destinação obrigatória a um setor específico.

No fim do ano passado, outra emenda prorrogou a desvinculação apenas das receitas da União até o fim de 2024. Os governadores cobram que o mesmo seja feito para estados e municípios.

Nessa direção, contudo, a proposta dos governadores é que a desvinculação seja perene, com percentual de 40% no primeiro ano em vigor, que seria 2024, reduzindo em um ponto percentual essa taxa anualmente até chegar a 30%, em 2034.

Os estados pedem ainda que o Regime Especial de Pagamento de Precatórios, instituído em 2017, seja estendido. A medida hoje em vigor expira no fim de 2029. E os governadores querem que seja prorrogada até 2034.