O Globo, n. 32717, 05/03/2023. Opinião, p. 2

Alta na violência contra mulheres desafia autoridades



Das agressões verbais aos feminicídios, os casos de violência contra mulheres têm crescido no Brasil. Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Datafolha mostrou que 28,9% das entrevistadas relataram ter sofrido algum tipo de agressão em 2022, o maior percentual já registrado pelo levantamento, iniciado em 2017. No conjunto da população, a cada minuto 35 mulheres foram agredidas no país. O número deveria fazer soar o alarme: algo não tem funcionado nas políticas de proteção.

Não se pode dizer que a sociedade brasileira tenha ficado alheia à violência contra mulheres nas últimas décadas. A legislação foi aperfeiçoada para aumentar a proteção às vítimas, garantir o afastamento de agressores e inibir novos casos. A Lei Maria da Penha foi um marco, assim como a tipificação do crime de feminicídio. Ao mesmo tempo, campanhas de conscientização, como “Chega de fiu-fiu” ou “Não é não”, têm sido recorrentes. Infelizmente, a alta nos casos mostra que o Estado continua falhando em protegê-las.

Em relação à última pesquisa, os relatos de agressões cresceram 4,5 pontos percentuais. Os responsáveis pela violência são em geral ex (31,3%) e atuais companheiros (26,7%), pai ou mãe (8,4%). Um dos fatores que explicam o aumento é a resposta ainda tímida das vítimas. A maior parte (45%) afirma não ter feito nada. Entre as que buscaram ajuda, 17,3% recorreram à família, 15,6% aos amigos. Delegacias da mulher foram procuradas por 14%, delegacias comuns por 8,5%. Apenas 4,8% disseram ter ligado para a Polícia Militar. De nada adiantam leis modernas para punir os culpados se as denúncias passam ao largo das autoridades.

Os próprios pesquisadores têm dificuldade para propor soluções. De modo genérico, apontam três causas para o agravamento do problema: o fim do financiamento a políticas públicas de proteção às mulheres durante o governo Jair Bolsonaro; a pandemia, que afetou serviços de proteção e expôs as vítimas ao convívio com seus agressores por força do isolamento; e a ação de movimentos ultraconservadores que estimulam comportamento machista.

Os números dão alguma substância a tais conclusões. Em que pesem as campanhas, o comportamento masculino tóxico ganhou vulto. Quase metade (46,7%) das mulheres relatou ter sido assediada com cantadas ou comentários desrespeitosos nas ruas, no trabalho, no transporte público ou em festas. E não ficou só nisso. O levantamento mostra como é comum elas se tornarem alvo de ofensa verbal (23,1%), perseguição (13,5%), chutes e socos (11,6%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%), ameaça com faca ou arma de fogo (5,1%), lesão por objetos (4,2%), esfaqueamento ou tiro (1,6%). Cada vítima sofre em média quatro agressões por ano (nove, se divorciada). São dados alarmantes.

O país tem o dever de enfrentar essa ignomínia. Leis mais rigorosas são importantes, mas não têm bastado. Mulheres que obtiveram medidas de proteção na Justiça continuam a ser assassinadas, algumas na frente dos filhos. Prender assassinos conforta as famílias, mas só avançaremos quando evitarmos os crimes. É preciso agir em várias frentes. Para começar, o essencial é entender por que, apesar da visibilidade maior do tema na sociedade, os indicadores têm piorado.