O Globo, n. 32716, 04/03/2023. Política, p. 9

Governo tentou trazer joias ilegalmente para Michelle



O governo de Jair Bolsonaro tentou entrar ilegalmente no país com joias avaliadas em 3 milhões de euros, o equivalente, na cotação atual, a cerca de R$ 16,5 milhões, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. O episódio, de acordo com a reportagem, aconteceu em outubro de 2021 e envolveu várias tentativas subsequentes de liberar os itens da alfândega no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, onde o material acabou apreendido por não ter sido devidamente declarado. As joias com pedras preciosas haviam sido um presente do governo da Arábia Saudita à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Segundo o jornal, o conjunto com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamante estava na mochila de um militar, assessor do então ministro Bento Albuquerque. O titular das Minas e Energia fez parte da comitiva que acompanhou Bolsonaro pelo Oriente Médio na ocasião. Ainda segundo o Estadão, ao saber que as joias haviam sido apreendidas, Albuquerque retornou à área da alfândega e tentou, ele próprio, retirar os itens, informando que se trataria de um presente para Michelle. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança, destaca o jornal. A legislação brasileira impõe, contudo, que é obrigatório declarar qualquer bem avaliado em mais de mil dólares pouco mais de R$ 5 mil

na chegada ao país. Questionado pelo Estadão, Bento Albuquerque confirmou, segundo o jornal, o relato, mas alegou que desconhecia o que estava dentro do pacote fechado transportado pelo assessor. “Nenhum de nós sabia o que eram aquelas caixas”, disse. Procurado pelo GLOBO, o ex-ministro de Minas e Energia disse que a história se tratava de uma “mentira”. Ele afirmou que foram presentes para o governo brasileiro e que, por isso, foram incorporados ao acervo da Presidência: Eu, inclusive, enviei uma carta ao príncipe saudita dizendo que os presentes, devido a seu valor material, foram devidamente incorporados ao acervo oficial brasileiro, de acordo com a legislação nacional e o código de conduta da administração pública. Já Michelle negou ontem à noite em uma rede social que seja dona das joias retidas pela Receita Federal. “Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein? Estou rindo da falta e cabimento dessa imprensa vexatória”, postou no Instagram. Ainda segundo o jornal, a gestão Bolsonaro tentou reaver o material em pelo menos quatro ocasiões, escalando na missão militares e diferentes ministérios. Em 3 de novembro de 2021, coube ao Itamaraty exercer pressão sobre a Receita Federal na busca pelas joias. O Ministério das Relações Exteriores pediu ao órgão fiscal que tomasse as “providências necessárias para liberação dos bens retidos”, mas a Receita retrucou que só seria possível fazer a retirada mediante os procedimentos de praxe, com quitação da multa e do imposto devidos. Procurado, o Itamaraty não se manifestou. Em seguida, a própria chefia da Receita entrou em campo para liberar o material, mas os servidores do órgão mantiveram-se firmes. Nessas situações, só é possível resgatar o item apreendido pagando um tributo equivalente a 50% do valor estimado do material. Além disso, também é cobrada uma multa de 25% sobre o valor cheio. No caso das joias para Michelle, portanto, a soma chegaria a R$ 12,3 milhões.

Acervo do Estado

O governo Bolsonaro poderia ter informado oficialmente de antemão se tratar de um presente para Michelle ou para o casal. Neste caso, não seria cobrado imposto, mas as joias seriam tratadas como propriedade do Estado brasileiro. A tentativa derradeira de recuperar o mimo milionário dos sauditas veio nos últimos dias de Bolsonaro na Presidência, em 29 de dezembro  véspera da viagem do ex-chefe do Executivo aos Estados Unidos, onde ele permanece até hoje. O chefe da Ajudância de Ordens do presidente, sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, seguiu para Guarulhos para “atender demandas” de Bolsonaro, conforme consta na solicitação de voo da Força Aérea Brasileira (FAB), descrita pelo Estadão.

“Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar”, argumentou o funcionário ao tentar convencer os fiscais alfandegários, conforme relatos colhidos pelo jornal. Um dia antes, o próprio ex-presidente, aponta o jornal, enviou ofício à Receita comunicando a viagem do subalterno e cobrando a devolução das joias. A reportagem descreve que a apreensão das joias aconteceu em 26 de outubro de 2021, na chegada ao Brasil do voo 773, que veio da Arábia Saudita para Guarulhos. Durante uma fiscalização de rotina, em que as bagagens passam pelo raio x, os agentes da Receita optaram por vasculhar uma mochila de Marcos André dos Santos Soeiro, assessor de Bento Albuquerque. Dentro dela, além de um escultura dourada em forma de cavalo, com as patas quebradas, estava o estojo com as joias e um certificado de autenticidade da marca Chopard. A empresa suíça é uma das mais famosas do ramo.

Em outro episódio, na quarta-feira, a Secretaria-Geral e a Comissão de Ética da Presidência foram notificadas pelo Tribunal de Contas de União (TCU) sobre os relógios de luxo recebidos por parte dos integrantes da comitiva de Bolsonaro em viagem oficial ao Catar, em 2019. Para o órgão, as peças de luxo recebidas estão em “desacordo com o princípio da moralidade pública” e extrapolaram os “limites da razoabilidade”. Das grifes Cartier e Hublot, os itens podem custar até R$ 53 mil.