O Globo, n. 32715, 03/03/2023. Opinião, p. 2

Muita ansiedade e pouco trabalho

Vera Magalhães


Passados os dois primeiros meses, o governo Lula demonstra uma pressa por resultados — na economia e nas pesquisas de popularidade do presidente — em descompasso com uma certa letargia na proposição de rumos, sobretudo aqueles que dependerão de votações no Congresso. Nesse campo, quais serão as prioridades? E com que base o Executivo contará?

É demasiado o tempo perdido pelo Legislativo nas miudezas da montagem das comissões permanentes. Também não condiz com um governo que parece querer mudar muitas diretrizes importantes em várias frentes, a disposição do Senado de encurtar ainda mais a jornada de trabalho.

Era de supor que, atingido com os demais Poderes pela depredação de 8 de janeiro e passada a recondução (facilitada pelo episódio, diga-se) de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, o Congresso fosse começar a trabalhar pesadamente para dar respostas aos ataques à democracia, de um lado, e às demandas da economia, de outro.

Nem uma coisa nem outra aconteceu, e o governo, estranhamente, não parece empenhado em mandar para o Parlamento seus projetos e em cobrar que eles ganhem tração.

Na Fazenda, foco da atenção generalizada pela aflição com o risco de desaceleração da economia, o discurso é diferente. Fernando Haddad vem anunciando o encurtamento de prazos para o novo marco fiscal. Agora, acena com a possibilidade de que a proposta venha à luz ainda nesta semana, o que seria finalmente transformar em ação essa ansiedade reinante no Planalto por caminhos para impulsionar o crescimento. Mas essa não é uma história que se escreva só numa pasta ou só com um projeto.

Mais: de pouco adiantará apressar o projeto do marco fiscal — que deverá ser uma Proposta de Emenda à Constituição, caso se queira substituir o teto de gastos — sem que se saiba em que terreno a gestão Lula pisa na Câmara e no Senado. E hoje esse é um solo pantanoso.

Alçado a um dos campeões em número de pastas na Esplanada, o União Brasil virou um celeiro de ministros enrolados que não entregam votos de suas bancadas. A conjunção tóxica tem levado a um clima de “ou dá, ou desce” em relação à permanência dos três indicados (por quem mesmo?) para a equipe de Lula. A ponto de o presidente começar a admitir, como fez em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo nesta quinta-feira, demitir Juscelino Filho caso não explique sua crescente lista de confusões.

Antes que o marco fiscal e a reforma tributária caiam num Congresso ainda de forte inclinação bolsonarista, e sobre o qual a equipe de articulação política de Lula demonstra não ter quase ascendência nenhuma, é preciso que cada um dos partidos que integram a coalizão diga quantas garrafas tem para vender. E é preciso que as férias cheguem ao fim. Eleição das Mesas, carnaval, quantas desculpas serão necessárias mais para que o ano finalmente comece?

Lula tem uma preocupação com que, passado o momento inicial de conjunção de esforços em torno do governo federal propiciado pelo ato terrorista de 8 de janeiro e pelo legado de morte de Bolsonaro escancarado pela tragédia humanitária dos ianomâmis, a trégua inicial acabe.

Já existe grande apreensão quanto aos rumos da economia. Diante da insistência de setores do governo e do PT em usar a Petrobras e outras estruturas para experimentos que remetem à heterodoxia de Dilma Rousseff, já se ouve de muitos importantes atores que o risco é o Brasil enveredar pelo caminho da Argentina.

Lula sabe que sua tão sonhada popularidade depende umbilicalmente da economia. Cabe a ele não ser um agente de criação de ruídos desnecessários, como foi muitas vezes nestes 60 dias, unificar o discurso das diferentes alas do governo e dos partidos, cobrar das muitas pastas que arregacem as mangas e trabalhem e mandar serviço para o Congresso.

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